O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é o destaque da capa da revista britânica The Economist desta semana. Ele aparece ilustrado com o rosto pintado com as cores do Brasil e usando um chapéu semelhante ao do “viking do Capitólio”, personagem que ficou mundialmente conhecido pela invasão ao Congresso dos Estados Unidos em 2021.
Reprodução/The Economist
Legenda: IMAGINE UM PAÍS onde um presidente polarizador perdeu sua tentativa de reeleição e se recusou a aceitar o resultado. Ele declarou a votação fraudada e usou as mídias sociais para incitar seus apoiadores a se rebelarem. Eles o fizeram aos milhares, atacando prédios do governo. Então, a insurreição fracassou, o ex-presidente enfrentou uma investigação criminal e os promotores o levaram a julgamento por planejar um golpe. Isso soa como uma fantasia da esquerda americana. Na outra grande democracia do hemisfério, é uma realidade. Em 2 de setembro, o julgamento de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil e o "Trump dos trópicos", começará no Supremo Tribunal Federal. As evidências parecem um flashback do passado turbulento do Brasil. Um ex-general de quatro estrelas conspirou para anular o resultado da eleição; assassinos planejaram assassinar seu verdadeiro vencedor. Como nossa investigação sobre a conspiração explica, o golpe fracassou por incompetência e não por intenção.
A publicação analisa o julgamento da ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), em que Bolsonaro é acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
Segundo a revista, o ex-presidente, descrito como “polarizador” e “Trump dos trópicos”, deve ser considerado culpado junto a seus aliados.
Comparações com os EUA
Em editorial, a Economist compara a forma como os Estados Unidos reagiram aos ataques ao Capitólio em 2021 com a resposta brasileira aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Sob o título “Brasil oferece aos Estados Unidos uma lição de maturidade democrática”, o texto afirma que o país “está determinado a salvaguardar e fortalecer sua democracia”, apesar das pressões internacionais.
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Um dos motivos pelos quais o Brasil promete ser diferente de outros países é que a memória da ditadura ainda está fresca. Ela restaurou a democracia em 1988. O Supremo Tribunal Federal, moldado pela "Constituição Cidadã" promulgada na época, ainda se vê como um baluarte contra o autoritarismo. Além disso, a maioria dos brasileiros não tem dúvidas sobre o que Bolsonaro fez. A maioria acredita que ele tentou dar um golpe para se manter no poder. Governadores conservadores que disputam a eleição do presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, precisam dos votos dos apoiadores de Bolsonaro para vencer. Mas até eles criticaram seu estilo político.
Para a publicação, o processo contra Bolsonaro é visto por setores da esquerda americana como uma “fantasia”, já que nos EUA Donald Trump continua a desafiar instituições e acumular força política.
“Os Estados Unidos estão se tornando mais corruptos, protecionistas e autoritários”, diz o editorial, em contraste com a condução brasileira.
“Fracasso por incompetência”
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Paradoxalmente, uma tarefa fundamental é controlar o Supremo Tribunal Federal, apesar de seu papel como guardião da democracia brasileira. Como árbitro de uma Constituição com 65.000 palavras, o tribunal supervisiona uma gama estonteante de regras, direitos e obrigações, desde política tributária até cultura e esportes. Grupos que vão de sindicatos a partidos políticos podem mover ações diretamente. Às vezes, os próprios juízes iniciam processos, incluindo um inquérito sobre ameaças online, alguns deles contra o próprio tribunal — tornando-o vítima, promotor e juiz. Para lidar com uma carga de trabalho de 114.000 decisões somente em 2024, a maioria das decisões vem de juízes individuais. Há amplo reconhecimento de que juízes não eleitos, com tanto poder, podem corroer a política, bem como salvá-la de golpes. Os próprios ministros veem a necessidade de mudanças. Consertar o tribunal será difícil, mas seu poder é apenas parte da bagagem constitucional que o Brasil carrega. O país também sofre de incontinência fiscal crônica, em particular isenções fiscais descontroladas e aumentos automáticos de gastos. Algumas delas foram consagradas na Constituição de 1988 para coibir potenciais líderes autoritários. Outras são culpa do Congresso brasileiro, que assumiu o controle do orçamento federal e usa sua influência para financiar projetos pessoais. O efeito é a exclusão de investimentos e o enfraquecimento do crescimento.
O texto ressalta que o plano contra a democracia brasileira “fracassou por incompetência, e não por intenção”.
Ainda assim, a revista avalia que a maioria dos brasileiros acredita que Bolsonaro tentou permanecer no poder por meio de um golpe, e que até mesmo políticos conservadores reconhecem os excessos do ex-presidente.
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Legenda: Os obstáculos internos à reforma são maiores. Mesmo que as elites queiram mudanças, o Brasil ainda é um país profundamente dividido. Bolsonaro tem apoiadores fanáticos que causarão problemas, especialmente se o tribunal impor uma sentença severa. Reformar o Supremo Tribunal Federal e a Constituição exige que grupos abram mão do poder em prol do bem comum. É natural que se apeguem ao que têm — mesmo que seja apenas porque não confiam em seus inimigos. Todos querem crescimento, mas para obter mais crescimento, algumas pessoas terão que abrir mão de alguns privilégios. As tensões, portanto, serão inevitáveis. Mas, ao contrário de seus colegas nos Estados Unidos, muitos dos políticos tradicionais do Brasil, de todos os partidos, querem seguir as regras e progredir por meio de reformas. Essas são as marcas da maturidade política. Pelo menos temporariamente, o papel do adulto democrático do hemisfério ocidental mudou para o sul.
Esse cenário, afirma a Economist, abriu espaço para reformas e um possível novo pacto político. “A maioria dos políticos brasileiros, tanto de esquerda quanto de direita, quer deixar para trás a loucura de Bolsonaro e sua polarização radical”, conclui a publicação.