O empresário Alan Cavalcante do Nascimento, dono de 38 empresas e conhecido em Alagoas pelo luxo e ostentação, foi preso terça-feira pela Polícia Federal sob acusação de fraudar licenças ambientais mediante pagamento de propina a agentes públicos em níveis federal e estadual.

A operação cumpre 22 ordens de prisão temporária e 79 mandados de busca e apreensão em Belo Horizonte (MG) e em outras cidades de Minas Gerais. A Justiça Federal também determinou o sequestro e bloqueio de bens avaliados em R$ 1,5 bilhão. Além de Alan Cavalcante, entre os presos estão o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Seabra; o ex-deputado João Alberto Paixão Lages; e delegado da Polícia Federal Rodrigo Teixeira, ex-superintendente da PF em Minas Gerais e ex-diretor nacional de Polícia Administrativa, por  suspeita de ser sócio de uma mineradora


Festas de luxo e ostentação em Alagoas

Cavalcante é famoso pelas festas de Réveillon que organiza em sua mansão, no condomínio mais caro do estado. O evento, que atrai centenas de convidados, pode durar até três semanas, com pool parties e shows ao vivo. A vida de luxo é bancada por seus negócios, mas os investimentos em mineração chamam atenção das autoridades.

Quatro jazidas na cobiçada Serra do Curral

Até o início de 2010, Cavalcante nunca havia atuado no setor de mineração. Hoje, ele é dono de quatro jazidas de minério que somam 4,5 mil hectares na Serra do Curral, uma cadeia de montanhas icônica de Belo Horizonte e alvo antigo de mineradoras. Ambientalistas defendem que a área seja tombada como patrimônio natural.

Multas milionárias e operações ilegais

Nos últimos cinco anos, Cavalcante foi autuado 18 vezes e multado em R$ 2,6 milhões por captar água sem autorização e desmatar 67 hectares na Serra do Curral. Fiscais da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) flagraram uma de suas empresas extraindo minério de ferro de forma ilegal. A Polícia Federal, ao assumir a investigação, apontou irregularidades graves na estrutura empresarial do grupo Fleurs, que reúne suas operações de mineração.

Empresas de fachada e sócios “laranjas”

Um relatório preliminar da PF afirma que “vários desses atuais sócios das empresas investigadas são apenas ‘laranjas’, sem condições financeiras ou conhecimento técnico para gerir os negócios”. Pelo menos duas das empresas do grupo informaram endereços inexistentes em Maceió como sede. Uma perícia federal estima que, entre 2020 e 2022, o grupo Fleurs faturou R$ 298 milhões apenas com a exploração na Serra do Curral.

Laranjas

A Fleurs Global e a Gute Sicht, segundo a Polícia Federal, seriam praticamente o mesmo negócio. As duas mineradoras compartilham sócios e estratégias: atuaram sem licença ambiental e recorreram a Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) para manter suas operações. A Gute Sicht teve suas atividades suspensas pelo STF em 2023, após denúncias de extração irregular de minério na Serra do Curral — área considerada cartão-postal de Belo Horizonte. O empresário Alan Cavalcante Nascimento é sócio de ambas e parceiro de João Alberto Paixão Lages, ex-deputado estadual e figura central do setor minerário mineiro.

Pressões políticas e ameaças à secretária de Meio Ambiente

Preso hoje pela Polícia Federal, o ex-deputado estadual João Alberto Lages — ligado à cúpula do MDB e presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF) — é apontado como peça-chave no lobby minerário mineiro. Até 2014, Lages ocupava a presidência da Ceasa-Minas. Depois disso, tornou-se suplente de deputado, sem nunca ter atuado diretamente no setor minerário. Um de seus padrinhos políticos no MDB é o ex-deputado federal Leonardo Quintão, relator da proposta do novo marco regulatório da mineração e cuja família também é sócia de uma mineradora.

Ameaças

Em áudios enviados à secretária de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, na véspera de Natal, ele exigia celeridade no licenciamento da Fleurs Global, insinuando acusações contra a gestora. Apesar das ameaças, a audiência pública da mineradora foi remarcada e realizada semanas depois. Lages alegou que agiu sob pressão de associados e admitiu ter “exagerado” no tom.

Relações próximas e críticas internas

A presença de Marília Carvalho na inauguração da AMF, ao lado de Lages e de autoridades do Judiciário e do Executivo, provocou mal-estar entre servidores ambientais. Em nota de repúdio, funcionários do Sisema questionaram a proximidade da secretária com representantes do setor minerário. Fotografias publicadas nas redes sociais mostram Marília abraçada à deputada Greyce Elias (Avante-MG), defensora de pautas favoráveis às mineradoras e esposa de Pablo César de Souza, o Pablito (ligado a João Lages) — ex-chefe da Agência Nacional de Mineração em Minas Gerais. 

Nomeações controversas e influência na Semad

A reportagem apurou ainda que Charles Soares de Souza, soldado da Polícia Militar e ex-consultor da Fleurs, assumiu cargo estratégico na Secretaria de Meio Ambiente (Semad). Sua nomeação e atuação geraram desconfiança interna e motivaram a abertura de um processo disciplinar pela Corregedoria do Estado em 2023.

Um sistema sob questionamento

As ligações entre mineradoras, políticos influentes e servidores públicos levantam suspeitas sobre o funcionamento do licenciamento ambiental em Minas Gerais. O caso expõe não apenas potenciais irregularidades na exploração de recursos naturais, mas também o peso do lobby minerário sobre decisões estratégicas do poder público. 


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