Marcas da Brahma
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A Polícia Civil de Minas Gerais instaurou inquérito para apurar supostos crimes de estelionato e organização criminosa em desfavor do empresário João Barreira e de seus herdeiros. O Vai na Fonte apurou, com exclusividade, que a denúncia aponta que cerca de 1,5 milhão  de ações ordinárias da extinta Cervejaria Brahma teriam sido transferidas de forma irregular para terceiros sem qualquer vínculo jurídico com o investidor.

Nesta semana, os papéis da Ambev — sucessora da Brahma — estavam cotados a R$ 12,41 na bolsa de valores. Barreira foi distribuidor da marca nos vales do Mucuri e do Jequitinhonha, os dois em Minas Gerais, e teria recebido as ações como bonificação pelo desempenho nas vendas.

Segundo o espólio, representado pelo servidor público José Kelvin Lima Barreira, a Brahma remunerava distribuidores não apenas em dinheiro, mas também em ações da companhia, como estratégia de fidelização.

Em depoimento à Polícia Civil, ele relatou que mais de um milhão de ações preferenciais teriam sido transferidas irregularmente para a Ambev.


“O mecanismo de bonificação em participação societária era usado para fidelizar a rede de distribuição no interior de Minas. No caso de João Barreira, parte significativa do patrimônio teria origem nesse modelo — e a perda das ações representa, além de impacto financeiro, a dilapidação de um legado empresarial” , disse.

Omissão da CVM e multa judicial

O delegado Washington Souza Filho, responsável pelo inquérito, expediu em abril ofício à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) requisitando informações essenciais à apuração. A autarquia alegou não ter competência legal para manter registros patrimoniais de investidores, mas informou ter encaminhado o pedido aos depositários centrais e custodiantes.

Diante da demora, a Justiça acolheu pedido do Ministério Público e da Polícia e fixou multa de R$ 20 mil por dia contra a CVM em caso de descumprimento.

A decisão, assinada pelo juiz Danilo de Mello Ferraz, também determinou que companhias abertas e instituições financeiras analisem a legalidade da evolução acionária de Barreira, sobretudo quanto à transferência das ações da Brahma.

A CVM identificou o Banco Bradesco como responsável pela escrituração dos papéis. O espólio formalizou pedido de informações à instituição em 9 de janeiro de 2025, mas não obteve resposta até o momento.

Termo de quitação sob suspeita

Documentos obtidos pela reportagem do Vai na Fonte apontam que a Brahma teria operado um esquema para reduzir artificialmente os direitos de acionistas, transformando um patrimônio milionário em papéis de valor contestado.

Guias de registro confirmam que Barreira possuía 1,5 milhão de ações desde 1986, número mantido até 1989, mesmo após o grupamento de ações determinado pela CVM em 1987.

A contradição surgiu quando a empresa apresentou um “Termo de Recibo e Quitação” que não contemplava a totalidade dos direitos. A Justiça já reconheceu que o documento não possui força para liberar a companhia de todas as obrigações, limitando-se às bonificações.

Indícios de fraude societária

Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que, ao ignorar parte das ações de Barreira, a Brahma teria se beneficiado indevidamente, prática que pode configurar fraude contra minoritários e ocultação de passivos — comum nas fusões do setor cervejeiro nos anos 1980 e 1990.

Disputa paralela no TJMG

Além da esfera criminal, a família Barreira entrou com ação cível no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) pedindo ressarcimento e indenização.

A defesa contesta a validade do termo apresentado pela Ambev, alegando inconsistências contábeis e vícios de representação.

O espólio reivindica a restituição de 1,54 milhão de ações, dividendos retroativos desde 1989 e indenização por danos morais. Desembargadores do TJMG julgaram a ação improcedente e a família recorreu. 

Impacto no mercado de capitais

Para um ex-diretor da CVM ouvido sob anonimato, o caso pode expor falhas graves na governança corporativa brasileira. 

''Se comprovada a transferência sem autorização, trata-se de uma fraude com potencial de abalar a credibilidade do mercado de capitais”, afirmou.

Próximos passos

O inquérito segue em andamento, com novas diligências previstas. A Justiça poderá determinar acesso direto aos sistemas de custódia e responsabilizar, civil e criminalmente, os envolvidos.

Até o momento, Ambev, CVM e Bradesco não prestaram esclarecimentos públicos.

Posição da Ambev

Em nota, a companhia afirmou que “sempre prezou pela transparência” e refutou todas as acusações. Segundo a empresa, o caso já foi julgado na esfera cível e considerado improcedente em primeira e segunda instâncias pelo TJMG. A Ambev reiterou que “age e sempre agiu em estrito cumprimento à legislação e que não houve qualquer irregularidade no caso”.


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