Trump e Bolsonaro
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Trump e Bolsonaro


A ofensiva tarifária dos Estados Unidos contra o Brasil, com previsão de aumento de até 50% nas tarifas de importação a partir de sexta-feira, é mais do que um gesto protecionista. Trata-se de uma jogada política deliberada do presidente Donald Trump, que aposta no nacionalismo econômico como um dos eixos de sua campanha à Casa Branca.

Com dificuldades em sustentar a constitucionalidade das tarifas com base na Lei de Poderes Econômicos Internacionais de Emergência Nacional (Ieepa) — já contestada na Justiça —, Trump pode recorrer agora a um dispositivo jurídico tão obscuro quanto simbólico: a Seção 338 da Lei de Comércio de 1930.


Esse artigo, nunca antes acionado por um presidente, permite impor tarifas extras a países acusados de práticas discriminatórias contra produtos americanos. Mais que um instrumento comercial, a medida serve como discurso de força para uma base eleitoral sedenta por gestos “duros” contra o estrangeiro.

Um passado reativado para justificar o presente

A Seção 338 remonta a um período de forte isolacionismo dos EUA, entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra. Segundo documentos históricos, foi usada como arma de barganha por Franklin D. Roosevelt, mas caiu em desuso nas décadas seguintes, diante da consolidação de tratados multilaterais e da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Ao trazer esse fantasma legislativo de volta ao centro do tabuleiro, Trump não apenas testa os limites legais da presidência americana — ele desafia as próprias bases do comércio internacional contemporâneo, ancorado em previsibilidade e regras.

Brasil como alvo conveniente

Escolher o Brasil como alvo também é estratégico. Apesar de não configurar ameaça à indústria americana — e, na prática, manter com os EUA uma balança comercial superavitária para os norte-americanos — o Brasil é percebido como parceiro "fraco", sem tradição de retaliação contundente.

Mais do que isso: atacar o Brasil cria uma ilusão de conflito com um país latino-americano sob um governo de esquerda (Lula), o que reforça a retórica trumpista de oposição ao “globalismo progressista” e seduz tanto setores do agronegócio americano quanto eleitores mais nacionalistas.

Riscos para o Brasil: além do comércio

Se confirmado, o tarifaço terá impactos econômicos reais, principalmente sobre setores como aço, alimentos processados, couros e produtos químicos, que compõem parte relevante da pauta exportadora brasileira aos EUA.

Mas o dano maior pode ser diplomático. Ao não reagir com firmeza, o Brasil arrisca reforçar uma imagem de passividade internacional. Por outro lado, uma retaliação desproporcional poderia comprometer acordos em andamento, como as tratativas comerciais com a União Europeia ou a aproximação com a OCDE.

Trata-se de um dilema clássico da política externa: até que ponto vale o pragmatismo diante de um aliado imprevisível?

O precedente perigoso

Mais do que um episódio isolado, o recurso à Seção 338 pode abrir um precedente global. Se os EUA — maior potência econômica do planeta — ignorarem os marcos da OMC e das normas de 1974, 1977 e 1995, outros países podem seguir o exemplo.

O comércio mundial, já fragilizado por guerras, pandemias e crises climáticas, pode entrar numa nova era de unilateralismo jurídico, em que tratados serão relativizados por decisões de ocasião. O multilateralismo, por sua vez, volta a parecer frágil diante de interesses eleitorais domésticos.

Conclusão: Trump mira 2024, mas acerta 1930

A escolha de uma lei da era da Grande Depressão para justificar um tarifaço em pleno 2025 mostra que Trump, se eleito, deve intensificar sua cruzada contra o comércio global como o conhecemos. Ao Brasil, resta mais do que apenas calcular perdas econômicas — é preciso avaliar o papel que quer ocupar no jogo geopolítico dos próximos anos.


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