Trump, Eduardo e Bolsonaro
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Trump, Eduardo e Bolsonaro


A decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar uma  tarifa de 50% sobre produtos brasileiros escancarou fissuras dentro do Partido Liberal (PL) e acendeu alertas no agronegócio — setor que constitui a espinha dorsal da base política e eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro. A medida, anunciada pelo presidente Donald Trump como resposta à possível condenação de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tem potencial para desestabilizar a já tensa relação entre o bolsonarismo e setores produtivos.

Nos bastidores, parlamentares e empresários ruralistas classificam a decisão como um “tiro no pé”. Com moderação rara, o senador Rogério Marinho (PL), líder da oposição no Senado, rompeu o silêncio e expôs a inquietação:

“Temos um problema objetivo. A medida afeta diretamente produtores, cadeias produtivas e o bolso da população”.


Lula pode capitalizar desgaste da direita

Paradoxalmente, o tarifaço pode beneficiar politicamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ministros como Carlos Fávaro (Agricultura) e Fernando Haddad (Fazenda) têm intensificado conversas com representantes do setor agroexportador, oferecendo uma espécie de “ponte de diálogo” em meio à crise.

É o mesmo roteiro dos anos 2000: o PT herda um ambiente hostil do setor empresarial, mas ganha espaço quando a direita comete erros estratégicos. Trump e Bolsonaro podem ter dado um tiro no pé” , avalia um ex-ministro da Agricultura ouvido pela Vai na Fonte.

A tentativa de reaproximação ocorre em um momento em que o agro enfrenta incertezas com a economia chinesa e precisa diversificar mercados. A tensão com os EUA, seu segundo maior parceiro comercial, agrava a necessidade de interlocução com o governo federal.

Ala ideológica do PL vibra, mas pragmáticos recuam

A divisão dentro do bolsonarismo ficou evidente. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL) comemorou abertamente a decisão de Trump, classificando-a como uma “resposta clara e inequívoca contra a censura” no Brasil. Para a ala ideológica do PL, a retaliação representa uma sinalização política da extrema-direita internacional.

No entanto, parlamentares ligados ao agronegócio veem o gesto como imprudente e prejudicial. Reservadamente, deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária admitem que a postura de Eduardo agrava o desgaste com empresários, que temem prejuízos imediatos com a ruptura de contratos e a imposição de preços não competitivos no mercado internacional.

Jair Bolsonaro, por sua vez, adotou o silêncio estratégico. Sem mencionar a sobretaxa, limitou-se a publicar uma citação bíblica nas redes sociais. A mensagem genérica foi interpretada como tentativa de fugir do debate econômico e preservar seu discurso entre fiéis e apoiadores mais radicais.

Altineu tenta culpar Lula, mas evidências contradizem narrativa
Na tentativa de conter o desgaste, o deputado Altineu Côrtes (PL), primeiro vice-presidente da Câmara e aliado de confiança do clã Bolsonaro, tentou atribuir a culpa ao presidente Lula. Em entrevista, responsabilizou o Planalto por “confrontar os Estados Unidos” e provocar instabilidade.

“O dólar subiu, a bolsa caiu, e quem paga essa conta é o povo” , disse.

O discurso, no entanto, colide com informações de bastidores e apurações do Itamaraty. Fontes diplomáticas confirmam que houve articulação direta de assessores bolsonaristas junto ao entorno de Trump para que o ex-presidente americano adotasse sanções comerciais. A motivação: desgastar Lula no exterior e provocar uma crise econômica interna que sirva de combustível para 2026.

Efeitos econômicos podem atingir redutos eleitorais de Bolsonaro
Especialistas em comércio exterior alertam que a tarifa de 50% pode causar retração nas exportações de carne, soja, milho, celulose e produtos industrializados. Os impactos devem ser mais severos no Centro-Oeste e no Sul — regiões onde Bolsonaro obteve suas maiores votações em 2018 e 2022.

“É o típico caso de política externa ideológica produzindo prejuízo econômico direto. A conta vai chegar logo, e será cobrada justamente dos setores que mais apoiaram Bolsonaro”, afirma um consultor que acompanha negociações comerciais entre Brasil e EUA.

Empresários e cooperativas rurais já sinalizam insatisfação. Alguns grupos, inclusive, iniciaram aproximações discretas com o governo federal, em busca de alternativas para manter exportações viáveis.

Trump ameaça escalar conflito; Brasil avalia reação

Donald Trump, ameaçou aumentar ainda mais a tarifa caso o Brasil opte por retaliar. A escalada preocupa autoridades brasileiras, que avaliam levar o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC) ou acionar apoio diplomático junto à União Europeia e países da América Latina.

A carta pública divulgada por Trump, na qual classifica o julgamento de Bolsonaro como “caça às bruxas” e defende as big techs contra o Judiciário brasileiro, foi interpretada no Planalto como um movimento de ingerência direta. 

Conclusão: quando a retaliação vira boomerang

A tentativa da ala bolsonarista de vender uma narrativa de perseguição internacional pode ter saído pela culatra. Ao estimular um aliado estrangeiro a punir economicamente o Brasil em nome de um réu do STF, o grupo expôs sua própria base produtiva a uma crise comercial sem precedentes — e abriu espaço para Lula reposicionar seu governo junto a um setor que historicamente o rejeitava.

O tarifaço, que nasceu como ataque político, pode terminar como divisor eleitoral. E a conta, inevitavelmente, vai cair no colo de quem aplaudiu primeiro.


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