Câmara de vereadores
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Em meio ao aperto fiscal enfrentado por pequenos municípios mineiros, os vereadores de São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, aprovaram uma nova lei que institui um auxílio-alimentação de R$ 700 mensais para os próprios parlamentares. O privilégio será pago em 13 parcelas ao longo do ano, com valor dobrado em dezembro (décimo terceiro), totalizando R$ 9.100 por vereador anualmente. A medida, que pode entrar em vigor com efeito retroativo a 1º de maio de 2025, tem potencial para gerar um custo superior a R$ 100 mil por ano aos cofres públicos — em um município com pouco mais de 30 mil habitantes e carências históricas em áreas essenciais como saúde, mobilidade urbana e saneamento básico.

Salto na renda dos vereadores

Dos 11 vereadores eleitos em 2024, a média de renda declarada à Justiça Eleitoral era de R$ 4 mil mensais. Hoje, com os vencimentos parlamentares fixados em R$ 10 mil e, agora, somados ao novo auxílio, os vereadores passaram a ganhar, de forma direta e indireta, quase três vezes mais do que informaram durante a campanha.

Além do aumento real de renda, o regime de trabalho dos parlamentares é não exclusivo — ou seja, eles podem manter outras ocupações e não precisam cumprir expediente diário. Em São Joaquim de Bicas, as sessões da Câmara ocorrem apenas uma vez por semana, à noite.

Juristas criticam “privilégio disfarçado de direito”


Especialistas em direito público e controle institucional ouvidos pelo o Vai na Fonte classificam o auxílio como uma forma indireta de elevar a remuneração dos parlamentares, sem transparência nem critérios técnicos.

Estamos diante de um caso clássico de privilégio disfarçado de direito. Não há qualquer justificativa plausível para esse gasto em uma cidade com baixa arrecadação e serviços básicos deficitários”, afirma o jurista Ítalo Samuel Jesus, que também atua como consultor da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O pagamento do benefício é feito automaticamente, junto ao salário, sem necessidade de prestação de contas. Como é classificado como "indenizatório", o auxílio não é tributado e não conta para o teto constitucional de remuneração no serviço público.

Enquanto isso, a população enfrenta filas, abandono e falta de serviços básicos. Em bairros como Vila Rica, Nazaré e Fundão, moradores relatam dificuldades para marcar consultas médicas, escassez de medicamentos na rede pública e ruas sem pavimentação e tomadas por buraco e sem manutenção há meses.

Retrocesso moral em nome do “direito”

Defensores da medida argumentam que o valor do auxílio é o mesmo concedido aos servidores efetivos da Câmara. No entanto, especialistas apontam diferenças fundamentais entre as funções.

É um argumento falacioso. Servidores têm carga horária obrigatória, registro de ponto, metas e produtividade. Parlamentares de cidades pequenas atuam em regime flexível. Igualar essas funções é desonesto com o contribuinte”, explica a advogada Carolina Carneiro Lopes, especialista em Direito do Trabalho e Direito Público, que também é consultora da Procuradoria do Trabalho em Minas Gerais (MPT).

A advogada explica que a função do vereador é legislar e fiscalizar, mas que, em cidades menores, essa demanda é muito reduzida — o que permite aos parlamentares exercerem as profissões que já mantinham antes de serem eleitos. Por isso, segundo ela, não há justificativa para a concessão de privilégios como o auxílio-alimentação.


R$ 80 mil por ano para “alimentar” os vereadores

O investimento de mais de R$ 100 mil anuais apenas com o auxílio-alimentação dos parlamentares equivale, por exemplo, à construção de dois postos de saúde simplificados ou à ampliação da rede de coleta de esgoto em regiões periféricas. A falta de critérios objetivos para a concessão do benefício, somada ao histórico de corrupção e à baixa exigência funcional dos vereadores, aprofunda o distanciamento entre o poder público e os interesses reais da população.

A nova lei não prevê mecanismos de controle, não exige comprovação de gasto com alimentação e tampouco impõe limites de renda para a concessão — o que permite que até vereadores com empresas, propriedades rurais ou outras fontes de renda acessem o valor integral.

Histórico de corrupção e impacto social

A aprovação do benefício reacende o debate sobre a moralidade dos gastos do Legislativo municipal — e não é o primeiro episódio polêmico envolvendo a Câmara de São Joaquim de Bicas. Em 2016, cinco vereadores foram condenados à prisão por integrarem um esquema de corrupção que beneficiava empresas com interesses na cidade.

Na ocasião, a Justiça mineira identificou a existência de uma organização criminosa estruturada dentro da própria Casa Legislativa.

Foi encaminhada uma mensagem ao celular do presidente da Câmara, Edilson Gouveia(PP), mas até o momento ele não respondeu. O espaço permanece aberto para manifestação da Câmara Municipal


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