O pedido do ministro Luiz Fux para “ajustes gramaticais” em seu voto de 492 páginas — lido durante mais de 12 horas — introduz um novo elemento no já complexo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro ( PL). A medida, em aparência técnica, tem efeitos políticos e jurídicos relevantes: adia a publicação do acórdão e, por consequência, a decretação da prisão do ex-presidente.
O impacto no calendário judicial
Com o voto retido, o processo fica suspenso até que o ministro devolva o documento. Fux tem prazo de 60 dias para concluir a revisão, o que, na prática, pode deslocar o cumprimento da sentença para 2026, ano eleitoral. Essa postergação interessa diretamente a Bolsonaro, que, segundo aliados, esperava o início do cumprimento da pena em regime fechado ainda em novembro.
O conteúdo do voto de Fux, que absolveu o ex-presidente e condenou apenas o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, abriu divergência em relação à maioria da Corte. Ao reter o texto sob o argumento de ajustes formais, o ministro também preserva espaço para eventuais revisões de mérito antes da publicação final.
Reações políticas e efeitos colaterais
O adiamento foi recebido com entusiasmo entre aliados de Bolsonaro, que se reuniram ontem com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. O ex-presidente orientou sua bancada a intensificar articulações em torno do chamado “PL da Dosimetria”, uma tentativa de construir uma agenda legislativa capaz de reduzir danos políticos e jurídicos.
Nos bastidores, o movimento é interpretado como parte de uma estratégia para manter viva a influência bolsonarista no Congresso, especialmente num momento em que o governo Lula tenta conter a pressão por pautas de alto impacto fiscal.
A decisão de Fux, embora formalmente justificada por razões técnicas, amplia a intersecção entre o tempo da Justiça e o tempo da política. O resultado é um impasse que reforça a percepção de que, no Brasil, as sentenças mais delicadas raramente se limitam à gramática.
Ontem, o ex-presidente se reuniu com Valdemar da Costa Neto, para discutir estratégias de reação. A principal delas é retomar a articulação em torno do “PL da Dosimetria” — novo nome dado ao projeto da anistia —, em diálogo com o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP). A iniciativa tem duplo objetivo: garantir proteção jurídica a Bolsonaro e reanimar a base parlamentar conservadora.
O STF e o peso do tempo
Ao solicitar a devolução do voto, Fux cria uma pausa institucional que ultrapassa o campo jurídico. O Supremo, mesmo sem intenção explícita, redefine o tempo político. Cada dia de atraso na publicação do acórdão amplia a incerteza sobre a execução da pena e alimenta a retórica de confronto entre Poderes.
No tabuleiro da política brasileira, o tempo é uma variável de poder. A “revisão gramatical” de Fux, ainda que legítima, funciona como um freio que pode redesenhar os cálculos de 2026 — e reforça o quanto, no Brasil, o jurídico e o político seguem inseparáveis.