
Nem bem foi instalada, e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que promete investigar fraudes no INSS , carrega nas costas o peso de um campo de batalha. Não entre delegados e fraudadores. Mas entre governo e oposição, cada qual com seus generais.
A comissão, que só deve começar a atuar em agosto, deixou claro que pouco terá de técnica — e muito de teatro.
Os corredores do Congresso Nacional são testemunhas de um xadrez de articulações, promessas e sabotagens, onde o verdadeiro objetivo não é descobrir a verdade sobre desvios bilionários na Previdência, mas, sim, decidir quem comanda a narrativa e quem será exposto ao fogo cruzado da opinião pública.
Omar Aziz: o escudo do governo
Do lado do Planalto, a movimentação começou cedo. O nome de Omar Aziz, senador pelo PSD do Amazonas, desponta como favorito à presidência da comissão.
Aziz conhece o tabuleiro: comandou a CPI da covid, em 2021, com uma condução considerada firme e equilibrada.
Sua escolha é estratégica. O governo Lula sabe que, com Aziz no comando, poderá ditar o ritmo das investigações — ou, se preciso, desacelerá-las até a inércia. Não é à toa que o senador circula por gabinetes com a tranquilidade de quem já tem metade da partida vencida.
Já o PT confirmou os nomes dos deputados Paulo Pimenta — ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência — e Alencar Santana(SP) para compor a comissão. A federação PT - PCdoB - PV será representada por Rogério Correia (PT-) e Orlando Silva (PCdoB).
Nikolas e Damares: o duelo bolsonarista
Do outro lado da trincheira, a oposição bolsonarista já fez suas apostas.
Damares Alves, ex-ministra e senadora pelo Republicanos, foi uma das primeiras a garantir vaga.
Ao seu lado, a deputada Coronel Fernanda (PL), responsável por recolher as assinaturas que viabilizaram a CPI. Mas o nome que mais preocupa o governo atende por Nikolas Ferreira (PL).
Deputado federal mais votado do Brasil em 2022, Nikolas é inflamável. Tem a verve dos agitadores e a lealdade dos convertidos.
Caso assuma a relatoria — cargo que controla o conteúdo final do relatório —, a CPMI pode deixar de lado a tecnicidade e se tornar uma arena de acusações, vídeos virais e embates ideológicos.
Uma CPI forçada e uma estratégia reciclada
O governo tentou resistir. Buscou minar o avanço da CPI, alertando aliados de que, uma vez instalada, ela poderia abrir caminho para escândalos reais ou fabricados. Mas o cerco se fechou. Até parlamentares da base assinaram o pedido — e o Palácio foi obrigado a mudar de estratégia.
A nova ordem foi clara: não mais impedir, mas dominar. Como na CPI dos Atos de 8 de Janeiro, a tática agora é ocupar cargos-chave, enterrar requerimentos inconvenientes e controlar as pautas.
Tabata Amaral (PSB), ligada ao vice-presidente Alckmin, é também cotada para a relatoria como plano B. A ideia é suavizar os holofotes e reduzir o calor.
O poder de engavetar verdades
Em CPIs, a presidência é mais do que simbólica: é o trono de onde se governa a investigação. O presidente decide quem será ouvido, o que será votado e quando. Pode acelerar convocações ou simplesmente ignorá-las. Pode transformar um escândalo em manchete — ou enterrá-lo sem cerimônia.
É por isso que a disputa por essa cadeira se tornou o foco. Não se trata apenas de quem vai “investigar”. Trata-se de quem terá o direito de escolher o que vale a pena ser investigado.
A fraude que virou figurante
Enquanto senadores e deputados disputam bastidores com voracidade, o tema que justificou a existência da CPMI parece cada vez mais distante. As fraudes no INSS, que drenam bilhões dos cofres públicos e envolvem redes de criminosos infiltradas em órgãos federais, seguem à margem da pauta — como se fossem um detalhe incômodo em meio ao espetáculo político.
A comissão, composta por 30 titulares e igual número de suplentes, pode se tornar mais um monumento à teatralidade do Congresso. O risco é que, ao fim dos trabalhos, tenhamos discursos inflamados, vídeos cortados para as redes sociais — e nenhum centavo recuperado para os cofres públicos.
Epílogo de um enredo previsível
A CPMI do INSS pode se tornar uma investigação exemplar. Pode revelar esquemas, responsabilizar culpados e reforçar a integridade da Previdência.
Mas, para isso, precisaria de algo raro em Brasília: compromisso com o interesse público acima das guerras eleitorais.
Por enquanto, tudo indica que a comissão seguirá o enredo de sempre: começa com promessas de apuração séria, se afunda em disputas partidárias e termina em silêncio — com as fraudes intactas e os culpados ainda impunes.