
Em meio ao desgaste de popularidade e sucessivas derrotas no Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara uma guinada estratégica na comunicação de suas ações. A nova aposta é combinar justiça social e enfrentamento aos privilégios, tendo como bandeiras o fim da jornada de trabalho 6x1, a taxação de super-ricos e o combate aos supersalários no serviço público.
Com pouco mais de um ano até as eleições municipais, o Planalto quer resgatar um discurso clássico da esquerda: o combate às desigualdades.
A avaliação no núcleo político do governo é que a defesa da democracia — prioridade desde os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 — perdeu apelo popular. A ideia agora é focar em temas que dialoguem diretamente com o cotidiano da maioria da população.
Justiça tributária como novo norte
Para o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), a justiça tributária será o eixo da atuação política do governo até 2026.
“O Lula sempre foi um presidente que olhou para o povo trabalhador, o povo mais pobre. Estamos dando um passo além nessa agenda, que é falar dessa profunda desigualdade tributária, em que os ricos praticamente não pagam impostos enquanto a classe média e os pobres estão atolados” , afirmou. “Chegou a hora de ter nitidez política.”
Pesquisas reforçam a viabilidade dessa abordagem. Segundo o Datafolha, 70% dos brasileiros apoiam a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e 76% defendem aumento da carga para quem recebe mais de R$ 50 mil mensais.
A proposta em estudo no Ministério da Fazenda prevê ampliar a faixa de isenção e, para compensar, aumentar a cobrança sobre cerca de 141 mil pessoas que ganham acima de R$ 600 mil por ano — grupo que hoje paga menos de 10% de alíquota efetiva.
Desde o início do mandato, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem sido o principal porta-voz da justiça fiscal. Ao justificar medidas para atingir a meta do novo arcabouço fiscal, Haddad destacou que as mudanças afetam apenas os “moradores da cobertura”, numa alusão à elite econômica que se beneficia de brechas e privilégios tributários.
O fim da jornada 6x1 no centro do debate
Outra frente da ofensiva governista será a revisão da jornada de trabalho 6x1 — que obriga o trabalhador a cumprir seis dias consecutivos para apenas um de descanso. Em pronunciamento no Dia do Trabalho, Lula defendeu a mudança:
“Está na hora de o Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar dos trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou.
A proposta ainda não tem estratégia definida para avançar no Congresso. Uma PEC apresentada pela deputada Erika Hilton (Psol-SP) busca justamente o fim da escala 6x1 e já foi discutida com ministros do governo. O Planalto, no entanto, ainda não formalizou apoio ao texto.
Supersalários e energia elétrica entram na pauta
Outra bandeira com apelo popular é o combate aos supersalários no serviço público.
Integrantes da base defendem que o Executivo assuma protagonismo no tema e apresente um projeto próprio. Atualmente, há uma proposta parada desde 2021 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A equipe econômica analisa apoiar esse ou outro texto em tramitação para acelerar a votação.
Ao mesmo tempo, o governo tenta reforçar a percepção de que o Congresso é corresponsável por medidas que afetam diretamente o bolso do consumidor.
Um exemplo recente foi a derrubada de vetos presidenciais que, segundo a área técnica do governo, podem elevar em até R$ 35 bilhões por ano os custos das tarifas de energia pelos próximos 15 anos.
Os vetos impediam a contratação compulsória de termelétricas ineficientes, mas foram revertidos por ampla maioria.
Em busca de uma marca política para o terceiro mandato
Para auxiliares do presidente, adotar essas bandeiras pode finalmente conferir identidade política ao terceiro mandato de Lula.
Diferentemente de suas gestões anteriores — marcadas por crescimento econômico e redução da pobreza — o atual governo ainda não conseguiu firmar uma imagem clara perante o eleitorado.
A aposta, agora, é que a combinação entre enfrentamento a privilégios e ampliação de direitos reconecte o governo às camadas populares, estabilize sua base e ofereça um caminho narrativo coerente para atravessar o desgaste político até 2026.