
Durante anos, o PT esbravejou contra a política de juros altos de Roberto Campos Neto, acusando-o de sabotar o país e ferir o povo. Era fácil: ele era bolsonarista, inimigo declarado, protegido pela blindagem da autonomia do Banco Central. Mas a história virou ironia.
Agora, quem ocupa o trono é Gabriel Galípolo, um “companheiro” — apadrinhado por Fernando Haddad e avalizado pelo governo Lula. O PT comemorou como quem comemora uma vitória política histórica: finalmente, um dos seus no comando da política monetária.
A lua de mel durou pouco: o “nosso” virou um estranho
Meses depois, o cenário é de frustração generalizada. A Selic continua sufocante, o discurso técnico do BC não mudou uma vírgula e, para espanto geral, Galípolo se transformou no principal defensor da proposta que o PT sempre demonizou: a PEC que amplia ainda mais a autonomia financeira do Banco Central.
O que parecia uma vitória virou um vexame. O partido que sempre prometeu “ retomar o controle ” sobre o BC agora se vê obrigado a engolir o fato de que seu próprio indicado defende justamente o oposto do que sempre pregou.
Um aliado que atropela o partido — e ignora o Congresso
Lindbergh Farias não escondeu o desconforto:
“Não fui procurado por Galípolo nem por integrantes do governo para tratar da PEC. O partido é historicamente contrário a ampliar a autonomia do BC. ”
A fala revela mais do que mágoa: expõe a completa desarticulação. Galípolo, ungido pelo governo, atropela a bancada do PT, despreza o diálogo e rompe com a essência do projeto petista — que sempre foi o de subordinar a política monetária aos interesses sociais.
O BC segue isolado — com apoio do governo que dizia combatê-lo
E o que faz o governo? Nada. Assiste a tudo passivamente, como se a autonomia do BC fosse uma cláusula pétrea.
Para piorar, Galípolo ainda se desentendeu publicamente com Haddad sobre o IOF, mostrando que a falta de sintonia não é apenas com o PT no Congresso, mas com o próprio Ministério da Fazenda.
O Banco Central continua sendo uma ilha — agora comandada por alguém que o PT ajudou a colocar lá. A ironia não podia ser mais cruel.
O PT está diante de um dilema clássico — e doloroso. Criticar Galípolo é admitir que errou na escolha, que foi ingênuo, ou pior, cúmplice. Mas calar é mais grave: é aceitar uma política monetária que sufoca o crédito, derruba o crescimento e mina a base popular do governo.
O discurso de “combate aos juros abusivos” já morreu. E, se não reagir, o PT corre o risco de ver morrer também a narrativa de que, com Lula, “o Brasil voltou”. Porque não se volta com Selic a 14,75%, crédito travado e um Banco Central cada vez mais blindado.
Galípolo é o espelho do impasse lulista
Galípolo não é um “traidor”. É, na verdade, o espelho perfeito do impasse do lulismo em 2025: como sustentar um discurso de transformação social enquanto se ajoelha, dia após dia, às imposições do sistema financeiro?
O lulismo chegou ao ponto em que precisa escolher: ou abraça de vez a incoerência e segue com um Banco Central que contraria seu próprio projeto — ou rompe, comprando uma briga institucional que pode ser custosa, mas talvez necessária para recuperar alguma coerência.
Autonomia não pode ser sinônimo de oposição ao eleito
No fundo, a pergunta que fica é simples: autonomia do Banco Central significa autonomia contra o projeto eleito nas urnas?