
O conclave que começa hoje no Vaticano é, oficialmente, um momento de fé. Na prática, porém, é também um jogo de poder. Isolados por dias do restante da sociedade, cardeais do mundo inteiro se reúnem para escolher o novo papa — em teoria, guiados pelo Espírito Santo. Na realidade, movidos também por interesses geopolíticos, ideológicos e institucionais.
O que deveria ser um processo espiritual é, muitas vezes, um embate entre diferentes projetos de Igreja. E isso diz muito sobre o momento atual do catolicismo: uma instituição em crise de identidade, pressionada por dentro e por fora.
Conclave: o filme que diz o que muitos não têm coragem de dizer
O longa-metragem Conclave (2024) acerta ao retratar esse processo como algo mais mundano do que místico.
O longa joga luz sobre as sombras do Vaticano, mostrando cardeais que trocam dossiês, escondem segredos e manipulam a narrativa com a mesma habilidade de políticos em uma eleição parlamentar.
É ficção — mas nem tanto.
O filme incomoda não porque ataca a fé, mas porque escancara a hipocrisia de uma cúpula que fala em humildade, mas age com cálculo.
E se o público se incomoda, é porque reconhece a verdade por trás da ficção.
O Brasil leva voto — e bagagem
Sete cardeais brasileiros têm direito a voto neste conclave.
Representam um país que ainda abriga a maior população católica do mundo (cerca de 123 milhões), mas que também vive suas contradições: uma Igreja dividida entre progressistas sociais e conservadores aliados da política de direita.
Nomes como Dom Odilo Scherer e Dom Sérgio da Rocha são respeitados, mas também são peças de um tabuleiro onde nem tudo é transparente.
Carregam o peso de um continente que esperava mais das promessas de reforma feitas pelo papa Francisco — e que agora teme um retrocesso silencioso, camuflado por discursos de unidade.
Fé sem coragem é ritual vazio
O conclave não é apenas sobre quem será o novo papa. É sobre o que essa escolha representa.
Continuaremos com uma Igreja que varre escândalos para debaixo da batina? Que silencia vozes dissonantes? Que defende valores universais, mas fecha os olhos para abusos e alianças espúrias?
Francisco tentou reformar. Foi freado. O próximo líder terá que escolher: manter o teatro ou enfrentar a verdade. E isso exige algo que parece raro em Roma — coragem.
O palco é sagrado. O enredo, nem tanto
Enquanto as chaves da Capela Sistina se fecham, o mundo observa em silêncio.
Mas o silêncio não é sinal de santidade — pode ser apenas a cortina que encobre mais uma negociação política, travestida de ritual sagrado.
A fumaça branca virá. Mas será que, desta vez, ela significará esperança real — ou só a repetição de uma encenação que já dura séculos?