
Diz o ditado que tudo o que começa mal tende a terminar pior. E foi exatamente isso que aconteceu na novela envolvendo a contratação de Dudu pelo Cruzeiro. Em junho de 2024, o então diretor de futebol Alexandre Mattos anunciou, com direito a tapete azul e pompa midiática, o acerto com o ídolo palmeirense. No entanto, no dia seguinte, o próprio atacante desmentiu o negócio e recuou publicamente. Um vexame nacional que escancarou não apenas a índole do jogador, mas sobretudo a desorganização da diretoria celeste.
Leila Pereira, presidente do Palmeiras, confirmou o contrato assinado e ainda criticou publicamente a postura do atacante. E o Cruzeiro? Tentou salvar as aparências com um lacônico "proposta retirada". Difícil encontrar quem tenha acreditado nessa versão.
Quando o orgulho fala mais alto que o planejamento
Poucos meses depois, em janeiro de 2025, o clube recuou e aceitou Dudu de volta. Um gesto que tentou soar grandioso, mas que, na prática, apenas revelou um clube guiado pelo improviso. O que era para ser um símbolo de ambição virou um foco de instabilidade. Dudu nunca se encaixou. Entrou em conflito com o técnico Leonardo Jardim, acumulou polêmicas nos bastidores e se despediu com um prejuízo — financeiro e moral — ainda não calculado.
A rescisão, anunciada, selou o fim da novela. Segundo o contrato costurado por Mattos, a multa era de R$ 60 milhões. A cifra paga na saída não foi revelada, mas a sensação é de que o torcedor arcou com mais uma conta de uma diretoria que já errou demais.
Alexandre Mattos: um nome que o tempo insiste em devolver
A volta de Mattos ao Cruzeiro em 2024 foi vista com desconfiança por parte da torcida. E com razão. Seu estilo agressivo de contratações, que deu frutos em 2013 e 2014, envelheceu mal. O futebol moderno exige mais que elenco caro e negociações midiáticas. Exige projeto, integração, visão. Nada disso se viu com a gestão atual.
Após a queda livre iniciada na gestão de Wagner Pires de Sá e agravada na curta presidência de Sérgio Santos Rodrigues, o Cruzeiro apostou no retorno de um rosto conhecido: Alexandre Mattos. O executivo, trazido de volta pelo próprio Sérgio — rejeitado por boa parte da torcida —, representa a repetição de métodos que já haviam dado sinais de desgaste.
Mattos foi alçado ao clube em 2012 por indicação de Marcus Salum, então dirigente do América-MG. A missão recebida de Gilvan de Pinho Tavares era clara: montar um time que respondesse à conquista da Libertadores pelo rival Atlético Mineiro em 2013.
O resultado foi uma avalanche de contratações. Nomes badalados "tubarões sem dentes" como Júlio Baptista, Dagoberto, Diego Souza e Borges dividiram espaço com apostas modestas que deram certo, como Egídio, Nilton, Bruno Rodrigo e jovens revelações como Lucas Silva e Alisson.
Mattos apresentou Júlio Baptista com um espetáculo midiático no Mineirão — o jogador chegou num carro-forte e assinou com salário de R$ 1,5 milhão por mês. No fim das contas, virou reserva.
Naquele elenco vitorioso, quem realmente desequilibrou foram Everton Ribeiro e Ricardo Goulart — pedidos diretos do técnico Marcelo Oliveira. Ainda assim, Mattos virou estrela nacional, personificando os títulos em sua figura, enquanto o mérito coletivo da comissão técnica foi ofuscado.
A decadência que não cessou
Após os títulos, o abismo. A partir de 2019, o Cruzeiro mergulhou em dívidas, escândalos administrativos e um rebaixamento histórico. Sérgio Santos Rodrigues e Wagner Pires travam disputa acirrada pelo título nada honroso de pior presidente da história do clube. O passivo de decisões equivocadas é extenso e caro.
Um exemplo gritante: o meia Maurício, então com 19 anos, foi trocado por William Pottker. Anos depois, o Palmeiras desembolsou € 10,5 milhões para contratá-lo do Internacional. Já Pottker acabou dispensado e hoje disputa a Série B pelo Atlético-GO.
E temos também o caso do atacante Estêvão. A jóia da base celeste que foi negociada com o Palmeiras e deixou o Cruzeiro de mãos abanando. Em 2024, o garoto foi vendido ao Chelsea por € 61,5 milhões (R$ 356 milhões). Enquanto isso, o Cruzeiro fica apenas assistindo, sem poder fazer nada, seus talentos brilharem em outros clubes. Uma verdadeira jogada de mestre de Mattos.
Afastado por Ronaldo Fenômeno no início da SAF em 2023, Mattos não esqueceu. Como diretor no Athletico Paranaense, arquitetou seu troco silencioso: aproveitou-se (informações privilegiadas) de uma cláusula mal redigida para tirar Vitor Roque do radar cruzeirense. O resultado foi um chapéu que custou caro. O atacante foi vendido ao Barcelona depois por € 74 milhões. O Cruzeiro ficou apenas com o ressentimento.
Muito dinheiro, pouco futebol
Com aval de Pedro Lourenço, Mattos voltou em 2024 com um orçamento generoso. Foram cerca de R$ 600 milhões investidos em contratações e uma folha salarial que bate os R$ 20 milhões mensais. Mas o desempenho em campo permanece inconstante. O caso Dudu virou símbolo de uma gestão mais preocupada em agradar empresários do que em construir um elenco coeso.
O empresário que nunca perde
Em quase todas as negociações de peso envolvendo o Cruzeiro, um nome reaparece: André Cury. Empresário de Dudu, Fabrício Bruno (repatriado por R$ 45 milhões) e Gabigol, Cury também gerenciava as carreiras de Vitor Roque e Estêvão.
Coincidência
Figura onipresente nos bastidores da Toca da Raposa, Cury parece ser o único a não sair no prejuízo. Enquanto a defesa do time é uma avenida e o ataque, uma promessa frustrada, o clube mineiro segue bancando erros antigos — agora em cifras ainda maiores.
A conta chega, sempre
Hoje, o Cruzeiro é gerido por figuras que já erraram muito no passado e parecem determinadas a repetir os mesmos erros com mais dinheiro e menos resultado. Enquanto isso, jovens talentos brilham em gramados europeus, vestindo camisas que não são a azul estrelada. Ao torcedor, resta a frustração — e a conta. Sempre ela.
No meio futebolístico, existe uma ironia recorrente envolvendo Alexandre Mattos: dizem que ele é um sujeito generoso — especialmente com o dinheiro dos outros. Não hesita em pagar salários inflacionados. Quem paga a fatura, no fim das contas, é o clube — e, por tabela, o torcedor.