
A extinção das câmaras especializadas em Direito Empresarial e Direito Criminal no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), aprovada ontem, foi muito mais do que uma reorganização burocrática. Por trás dos 92 votos que enterraram a especialização empresarial e dos 96 que acabaram com a 9ª Câmara Criminal — responsável por julgar casos da Lei Maria da Penha e do Estatuto da Criança (ECA) —, está uma disputa silenciosa por poder, espaço e influência no maior tribunal estadual do país em número de processos.
Votos revelam fissuras internas
A sessão do Pleno, realizada na sede do TJMG em Belo Horizonte, escancarou uma divisão entre os desembargadores. Apesar da maioria expressiva contrária à especialização, os votos a favor não foram poucos: 39 tentaram manter as câmaras empresariais; 36 defenderam a 9ª Câmara Criminal. O resultado mostra que há, sim, uma corrente no tribunal que reconhece os benefícios técnicos da especialização — mas foi vencida por outra, aparentemente mais interessada na redistribuição do poder interno.
Desembargadores ouvidos reservadamente pelo VainaFonte afirmam que o fim das especializações abre caminho para que colegas que nunca atuaram em temas complexos, como reestruturação de empresas ou crimes contra mulheres, assumam esses processos — com impacto direto na qualidade das decisões.
Vácuo jurídico e silêncio administrativo
O mais grave é que a votação foi feita sem definir o que acontecerá com os processos em curso, tampouco como serão redistribuídas as competências das câmaras. O vácuo administrativo preocupa advogados e partes envolvidas em disputas empresariais de grande vulto, muitas das quais com prazos e liminares em curso.
“É um desmonte institucional”, resume um desembargador. “A especialização existia justamente para garantir decisões mais técnicas, seguras e rápidas em litígios que exigem conhecimento profundo. Acabar com isso é uma involução”, completa o magistrado .
Enfraquecimento da proteção à mulher e à infância
O fim da 9ª Câmara Criminal é ainda mais preocupante. Responsável por julgar ações baseadas na Lei Maria da Penha e crimes contra crianças e adolescentes, a câmara era vista como um avanço na humanização e qualificação das decisões nesses casos. Sua extinção, aprovada por ampla maioria, foi vista por membros do Ministério Público como um recuo institucional que pode afetar a proteção de vítimas e a efetividade das medidas protetivas.
OAB-MG e sociedade civil foram ignoradas
A decisão do Pleno contraria manifestações públicas da seccional mineira da OAB e de outras entidades jurídicas, que defenderam em audiência pública a manutenção das câmaras especializadas. Na ocasião, argumentou-se que a especialização proporcionava celeridade, previsibilidade e segurança jurídica, valores especialmente relevantes em um Judiciário sobrecarregado.
Direito de Família sobrevive — por ora
Curiosamente, a única especialização mantida foi a das câmaras de Direito de Família. A 4ª e a 8ª Câmaras Cíveis continuarão a julgar exclusivamente temas como guarda, adoção, pensão, curatela e sucessão. A decisão foi apertada: 77 votos a 51. Para advogados da área, o resultado mostra que, mais do que critérios técnicos, prevaleceram articulações internas e acordos de bastidores.
O que está em jogo
Nos corredores do TJMG, há quem acredite que a decisão faz parte de uma reorganização silenciosa de forças no tribunal, com vistas à futura eleição da presidência e às movimentações nos cargos-chave. Acabar com as câmaras especializadas não é apenas uma escolha administrativa — é uma forma de desfazer ilhas de excelência técnica que incomodavam setores conservadores do Judiciário mineiro.
Mais do que uma reestruturação, o que se viu nesta semana foi um rearranjo de poder. E, como quase sempre acontece no Judiciário, os maiores prejudicados não são os magistrados — são os jurisdicionados.