Zambelli e Bolsonaro
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Zambelli e Bolsonaro


O silêncio do clã Bolsonaro diante da fuga de Carla Zambelli (PL-SP) não é apenas uma reação à mágoa acumulada desde a derrota eleitoral de 2022, que Jair Bolsonaro atribui, em parte, à deputada. Por trás da ausência de solidariedade pública, há uma disputa feroz por espaço político e, sobretudo, por dinheiro: a máquina milionária de arrecadação via Pix, que há anos sustenta as estratégias jurídicas e políticas da extrema direita brasileira.

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Bolsonaro, que em 2023 levantou mais de R$ 17 milhões em doações de seus apoiadores mais fiéis, lançou recentemente uma nova campanha para custear suas despesas jurídicas e manter sua estrutura política em funcionamento. O movimento, segundo aliados de Zambelli, foi recebido como uma traição e um ataque direto à sobrevivência financeira da ex-deputada, que, dias depois, lançou sua própria campanha virtual, desta vez com um objetivo explícito: financiar uma possível fuga do país.

Dívidas milionárias e a disputa por apoiadores

A campanha de Zambelli foi oficialmente lançada no dia 19 de maio, com o intuito de arrecadar fundos para quitar multas judiciais que somam R$ 3,5 milhões, além de sustentar um plano de fuga e, futuramente, pleitear um eventual indulto presidencial em 2027.

Em entrevista concedida um dia após a divulgação da vaquinha, Zambelli admitiu que o valor arrecadado em menos de 24 horas foi de R$ 295 mil — insuficiente diante do montante necessário para evitar a prisão.

"Aquela vaquinha que lancei já deu R$ 285 mil até à noite e hoje tinha mais R$ 10 mil que entrou, então tem R$ 295 mil até agora. Mas, são R$ 3,5 milhões de multa. Para pedir prisão domiciliar, indulto — vamos supor que a gente eleja um presidente no ano que vem e em 2027 pedir indulto —, eu poderia fazer isso, mas teria que pagar multa. Então, estou me preparando para pedir prisão domiciliar, indulto em 2027, mas para isso preciso pagar uma multa que não tenho a mínima condição de pagar", declarou.


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A declaração não deixou dúvidas sobre a estratégia: preparar-se para sair do país e, no futuro, negociar sua volta com base em acordos jurídicos, desde que consiga os recursos necessários.

Segundo pessoas próximas, Zambelli teria expressado profunda irritação com a decisão de Bolsonaro de lançar sua campanha de arrecadação antes dela, o que, na avaliação da parlamentar, prejudicaria a adesão dos mesmos apoiadores radicais que historicamente financiam as lideranças da extrema direita.

A deputada teria se queixado do que classificou como uma campanha "mesquinha" do ex-presidente, ao perceber que seu esforço pessoal poderia ser esvaziado pela força política e midiática de Bolsonaro.

Um racha silencioso no bolsonarismo

O episódio revela o esgarçamento das alianças na extrema direita, onde outrora reinava a coesão em torno da figura de Bolsonaro. Agora, cada ator político busca garantir sua própria sobrevivência — seja política, seja financeira —, ainda que isso signifique sabotar ou ignorar antigos aliados.

O clã Bolsonaro, incluindo os filhos do ex-presidente e a ex-primeira-dama Michelle, manteve silêncio absoluto diante da fuga da fiel escudeira, condenada a 10 anos de prisão pela invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a mais 5 anos e 3 meses por perseguição armada. Zambelli, por sua vez, deixou claro o ressentimento com o ex-presidente em entrevista recente:

"Eu também não quero mais falar em cima disso. 'Perdoa também o presidente', eu já perdoei. Ele nem pediu desculpas, nem nada, porque acha que está certo, mas perdoar no sentido de reavivar uma ferida que estava fechando, uma ferida muito grande", disse, admitindo ter entrado em depressão após os ataques de Bolsonaro.

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Mesmo assim, ao anunciar sua fuga, Zambelli tentou um último gesto de aproximação ao declarar que vai "ombrear" com Eduardo Bolsonaro (PL-SP) na Europa, ajudando a disseminar a narrativa de "perseguição" contra a extrema direita brasileira.

O filho "03" do ex-presidente, que também se exilou nos Estados Unidos, não respondeu ao aceno. Nem ele, nem os irmãos ou Michelle Bolsonaro manifestaram apoio ou sequer mencionaram publicamente a estratégia de Carla.

A máquina de arrecadação como centro da disputa

O núcleo do conflito reside na disputa por uma mesma base de doadores, composta por milhares de militantes radicalizados dispostos a transferir recursos via Pix para sustentar juridicamente e politicamente suas lideranças. A sobreposição das campanhas de Bolsonaro e Zambelli criou um cenário de competição aberta pela arrecadação, escancarando o caráter instrumentalizado das “vaquinhas” como forma de manutenção de poder, influência e fuga.

Nas redes, Zambelli acionou sua mãe, Rita, e seu filho, João, para ampliar a campanha e tentar sensibilizar os apoiadores. A mãe, em texto divulgado em perfis que estariam sendo administrados pela própria equipe de Zambelli para evitar bloqueios, apelou:

"Como vocês sabem, minha filha está sendo duramente perseguida e enfrentando multas altíssimas, milionárias e totalmente desproporcionais. Peço, por favor, que, se acreditam na luta dela ao longo desses 14 anos, a ajudem com o que puderem. "

Além disso, em um movimento considerado oportunista por analistas políticos, Zambelli anunciou a pré-candidatura da mãe e do filho como forma de perpetuar seu legado político e manter a base mobilizada:

"Tomei a decisão de transferir oficialmente a titularidade das minhas redes sociais, como herança, para minha mãe, Rita Zambelli, uma mulher íntegra, de princípios sólidos, que carrega os mesmos valores que sempre defendi. Ela, inclusive, é a minha pré-candidata a deputada federal no próximo ano, justamente para dar continuidade a essa luta que é de toda a nossa família e de milhões de brasileiros que se recusam a se curvar diante do autoritarismo", declarou.

"Da mesma forma, meu filho, João Zambelli, também dará seguimento a esse legado, em 2028, como pré-candidato à vereança de São Paulo, assegurando que minha luta não seja esquecida, caso, de fato, eu venha a ser calada pelo sistema", completou.

O legado de uma ruptura

O caso Zambelli-Bolsonaro expõe as entranhas de uma rede política que se vale de campanhas de arrecadação como ferramenta de poder, sobrevivência e, agora, fuga. Mais do que divergências estratégicas, o episódio escancara o enfraquecimento das alianças outrora fundamentais para o bolsonarismo e sinaliza um futuro de fragmentação e disputas cada vez mais individualistas.

Enquanto Carla Zambelli se exila e busca apoio internacional, Bolsonaro segue centrado na autopreservação e no fortalecimento de sua própria máquina financeira, ainda hegemônica entre os extremistas. A investigação segue apurando os desdobramentos dessa ruptura e os impactos sobre a base bolsonarista, que agora assiste, atônita, a um dos seus quadros históricos fugir do país em meio ao silêncio de quem, um dia, foi chamado de líder e aliado.


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