Às vésperas de o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar o cumprimento da pena de 27 anos e três meses de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o país assiste a um espetáculo previsível. A visita de uma auxiliar do ministro Alexandre de Moraes à Papuda deflagrou uma guerra de ofícios e declarações entre o governo do Distrito Federal, parlamentares bolsonaristas e setores da esquerda local. Mas, por trás do ruído institucional, o enredo é claro: transformar o cárcere em palco político.
Bolsonaro e seus aliados não discutem mais a inocência — apenas o cenário da punição. A movimentação da senadora Damares Alves (Republicanos), o ofício do secretário de Administração Penitenciária e o “dossiê médico” preparado pela defesa do ex-presidente são peças de um mesmo roteiro. Cada uma delas mira um único objetivo: evitar que Bolsonaro seja visto atrás das grades, mesmo que por poucos dias, e, se isso ocorrer, garantir que o episódio seja retratado como uma humilhação imposta por Moraes.
Da narrativa ao cálculo político
A vitimização de Bolsonaro nunca foi espontânea — é um método político. Desde a facada de 2018, sua comunicação opera na fronteira entre o sofrimento e o heroísmo, o corpo como bandeira e a perseguição como combustível. O “piripaque” anunciado por advogados à imprensa e as falas dramáticas de Flávio Bolsonaro (PL) sobre “tortura” e “castigo” reforçam a estratégia de humanizar o pai para desumanizar o Judiciário.
Ibaneis Rocha, por sua vez, joga no fio da navalha. Ao mesmo tempo em que busca o apoio do clã Bolsonaro para sua candidatura ao Senado, teme ser o governador sob cujo comando o ex-presidente adoeceu ou — no limite — morreu na prisão. É a política transformada em paranoia.
O que realmente está em jogo
Seja qual for o desfecho, o episódio da Papuda marca um divisor simbólico: o bolsonarismo, antes sustentado pelo confronto, agora sobrevive pela autocomiseração. O homem que prometeu acabar com “mimimi” tornou-se o protagonista de um drama onde cada soluço e refluxo são convertidos em arma retórica.
Mais que uma disputa jurídica, o que se desenrola é uma batalha pela narrativa — e, nessa arena, Bolsonaro sempre soube como se manter em cena. Mesmo quando o palco tem grades.

