Rodrigo Lopes

O jogo sujo e as acusações por trás da escolha do novo Papa

Intrigas, escândalos e manipulações voltam ao centro do debate com a morte do Papa e a ficção que denuncia o sistema

Papa Francisco
Foto: Vaticano
Papa Francisco


A morte do Papa Francisco (Jorge Bergoglio) , aos 88 anos, certamente desencadeia um processo profundo e simbólico para a Igreja Católica e seus fiéis. O conclave, com seus rituais e tradições, é um momento de grande expectativa e, muitas vezes, de intrigas nos bastidores. O filme "Conclave " (2024) aprofunda essa temática, utilizando ficção para explorar as complexas dinâmicas de poder que permeiam a escolha de um novo pontífice.

Com elementos como articulações políticas, distribuição de dossiês, escândalos sexuais e discussões acaloradas entre os cardeais, o longa faz uma crítica contundente às tensões que podem existir entre a espiritualidade e a realidade terrena da política e do poder dentro do Vaticano. Essa abordagem não só entretém, mas também provoca reflexão sobre como essas questões podem influenciar a liderança da Igreja.

Pelas regras do Vaticano, só podem votar cardeais com menos de 80 anos. São no máximo 120 — dez deles brasileiros. Eles se recolhem na Casa Santa Marta, no Vaticano, em isolamento absoluto. Sem celular, sem imprensa, sem influência externa. A promessa é de um processo guiado pelo Espírito Santo. Mas é impossível ignorar os interesses humanos — e políticos — que se impõem entre as batinas.

É nesse cenário que Conclave constrói seu suspense. O cardeal Thomas Lawrence, protagonista do filme, se vê no centro de um jogo de forças que mistura segredos explosivos, dilemas morais e uma trama de corrupção que ameaça desmoronar as estruturas da Igreja. O roteiro não tem pudor em tocar em feridas: abusos sexuais, manipulação de informações, chantagens e vaidades que rivalizam com a fé.

Um filme político com cheiro de encíclica

O longa assume a forma de filme, mas o que se vê é quase uma encíclica laica sobre poder, hipocrisia e fé. A figura do Papa, ao fim, parece menos divina e mais simbólica de uma instituição que luta pela própria relevância — e pela sua alma.

Não à toa, o filme incomoda. Não pela crítica à fé, mas pela crítica à cúpula e à maneira como decisões cruciais são tomadas de forma oculta, longe dos olhos do público, em um ritual que pode parecer espiritual, mas que está carregado de interesses terrenos.

Entre o púlpito e a política: o que está em jogo agora

Com a cadeira de Francisco vazia, e os cardeais prestes a se recolher, a pergunta que ecoa não é apenas quem será o novo Papa, mas que Igreja ele herdará. Uma Igreja que lida com escândalos, com perda de fiéis, com o avanço do conservadorismo político e com pressões por reformas internas que jamais vieram de forma plena.


O filme joga luz sobre essa complexidade. E a vida, agora, oferece um novo capítulo dessa história. A diferença é que, fora das telas, não há roteiro garantido — e muito menos final feliz.


O peso do Brasil: Dez cardeais com direito a votar e a serem votados

Embora o processo do conclave seja secreto, a geopolítica da fé fala alto, o Brasil tem peso. Com cerca de 123 milhões de católicos, o país continua sendo a maior nação católica do mundo. E, agora, dez cardeais brasileiros têm direito a voto na escolha do novo Papa.

Entre eles, nomes que representam diferentes correntes dentro da Igreja: desde figuras mais progressistas, ligadas a pautas sociais, até expoentes do conservadorismo, que se aproximam de lideranças políticas da direita nacional.

Um dos mais influentes é Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Salvador, que já integrou o Conselho de Cardeais do Papa Francisco . Outro nome de peso é Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, considerado há anos um "papável" nos bastidores do Vaticano. Há ainda Dom Orani Tempesta (Rio de Janeiro), Dom João Braz de Aviz , que atua na Cúria Romana, e outros representantes de diversas regiões do país.

O que esses cardeais carregam não é apenas seu voto. Carregam as expectativas de um continente que viu o primeiro Papa latino-americano tentar reformar a Cúria — e enfrentar resistências internas quase intransponíveis.

Se a Igreja quer se reinventar, como Francisco tentou, será preciso mais do que fumaça branca: será preciso coragem. O futuro da Igreja — e o papel do Brasil nela — será definido em silêncio, mas seus efeitos ecoarão por décadas.