
Não é exagero dizer que os Titãs foram visionários. Em 1985, quando lançaram a música Televisão, já alertavam: “ a televisão me deixou burro demais”. Quatro décadas depois, a coisa piorou. Se antes a crítica era ao conteúdo raso da TV, hoje temos um problema mais grave: a ignorância ganhou wi-fi, celular e algoritmo, rede social e o influenciador. E o resultado é assustador. A cultura virou alvo, a arte virou inimiga e quem pensa diferente é cancelado por multidões digitais que se acham justiceiras.
Em 1985, os Titãs avisaram
A música Televisão, escrita por Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Bellotto, era um manifesto contra a alienação. Com ironia e sarcasmo, denunciava a passividade do público diante da telinha. Mas, mesmo naquela época, ainda havia algum senso de respeito à diversidade. Chacrinha comandava seu programa com inteligência, ainda havia humoristas como Chico Anysio e Jô Soares . Os telejornais a prioridade era a notícia em si, enquanto os jornalistas ficavam em segundo plano. Mas nos dias de hoje, a situação se inverteu: o ego dos jornalistas muitas vezes rouba a cena, deixando a notícia em segundo plano.
A decadência da TV e o culto ao vazio
Atualmente programas como Big Brother Brasil e Domingão com Huck lideram a audiência. Durante décadas, a televisão foi acusada de emburrecer o público, com seus programas superficiais e conteúdos de apelo fácil. Mas se a TV tinha esse defeito, internet conseguiu aperfeiçoá-lo. A promessa de uma rede mundial que democratizaria o conhecimento e daria voz a todos se transformou, em muitos aspectos, numa distopia digital.
Hoje, qualquer um se sente um especialista para opinar sobre qualquer assunto — não importa o quanto desconheça o tema. E faz isso com ódio, desinformação e a convicção inabalável de estar acima do bem e do mal.
As redes sociais, que poderiam ser espaços de diálogo e troca, viraram arenas de campanhas de linchamento. Divergir virou crime. A empatia foi cancelada. O debate público cedeu lugar a uma guerra de egos e certezas absolutas, onde a razão é esmagada por algoritmos que premiam a gritaria.
A ignorância, que antes era tímida, hoje tem megafone. E quanto mais alto o berro, mais engajamento ele gera. A lógica das plataformas digitais reforça os extremos e marginaliza o pensamento crítico.
A rede social, que um dia foi vendida como símbolo de liberdade, corre o risco de se tornar o maior instrumento de alienação da história recente. E tudo isso com a nossa permissão — e, muitas vezes, com a nossa participação.
A cultura agora é cancelada
Os alvos recentes são músicos, artistas, pensadores. Nasi Valadão , vocalista da banda Ira, teve shows cancelados no Sul do país após se posicionar contra a anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023.
Nesta semana, os Paralamas do Sucesso passaram a ser boicotados nas redes sociais após João Barone, baterista da banda, criticar ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) . O que antes seria uma opinião virou motivo para fúria digital, hashtags e campanhas de ódio.
Estamos pior do que em 1985
Os Titãs não previram que a burrice se tornaria fúria. Que a ignorância ganharia alcance global. Que a cultura passaria a ser atacada por fazer justamente o que sempre fez: provocar, refletir, questionar.
Hoje, o país não está apenas mais burro. Está mais intolerante, mais agressivo e mais cruel. E quem ousa pensar fora da cartilha corre o risco de ser queimado em praça pública — virtual, mas não menos violenta.
O ano de 1985 marcou uma virada histórica no Brasil. O país vivia um momento de intensa efervescência política ao deixar para trás o regime militar que perdurou por duas décadas. Implantada em 1964, a ditadura foi responsável por diversas violações de direitos humanos, incluindo censura, perseguições, prisões arbitrárias e a morte de opositores políticos.
O enfraquecimento do regime e a redemocratização em curso, crescia nas ruas e nos palcos a voz da juventude. Nesse cenário, o rock brasileiro ganhava força como forma de expressão e resistência. Bandas como Titãs, Legião Urbana, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho e outras surgiam com letras marcadas por críticas sociais e políticas, refletindo os anseios de uma geração que exigia liberdade e mudança. A época, até os bolsonaristas, Ultraje a Rigor e Lobão tinham canções de sucesso.
As composições desse período abordavam temas como repressão, desigualdade, falta de perspectivas e o desejo de reconstruir o país sob bases democráticas. O rock nacional tornou-se, assim, trilha sonora de um Brasil em transformação, dando voz a uma juventude que não aceitava mais o silêncio imposto pelos anos de chumbo.