
Recebi de presente, anos atrás, um livro do filósofo francês André Comte-Sponville . Ao romper o embrulho, fui provocado pela criatividade do título: Pequeno tratado das grandes virtudes. Considerei desafiador um livro de filosofia, apontado como pequeno, ser capaz de abordar temas complexos.
A leitura me proporcionou conhecer um livro extraordinário. A obra permite que se leia sem a preocupação com a sequência adotada no índice. As dezoito virtudes foram abordadas de maneira autônoma e intensa. Compreende-se o tratado tanto pelo todo como pelos capítulos tomados isoladamente, tornando a leitura prazerosa. É um livro que deve estar sempre próximo às mãos, recomendando-se que seja desfrutado aos poucos, lentamente. A redação é leve, com utilização de uma linguagem simples, clara e elegante.
O autor se inspirou no filósofo Baruch Spinoza (1632-1677), que dizia ser melhor ensinar as virtudes do que condenar os vícios. Comte-Sponville aceitou o desafio e cumpriu a utopia de estimular a prática das qualidades pelos escritos, mesmo reconhecendo ser o exemplo a opção mais eficiente em fazê-lo. Construiu um tratado imponente, na forma e no conteúdo.
O livro começa pela polidez, considerada a mais pobre e superficial das virtudes, e termina pelo amor, sentimento que é uma consolidação de todas as demais.
As virtudes que me tocaram
Quais seriam, afinal, as virtudes tratadas no livro? Não pretendo mencioná-las integralmente, na esperança de que esta resenha estimule a descoberta pela leitura da obra. Naturalmente, cada leitor irá se interessar, com maior ênfase, por aquelas virtudes que entende não exercer. Comte-Sponville, em seu prefácio, adverte que o livro só será útil para a compreensão das virtudes que não possuímos.
Minha atenção se deteve, especialmente, em três: a coragem, a justiça e a tolerância. A escolha da coragem decorre da presença onipresente do medo, seu gatilho, sentimento que a todos atinge e paralisa. A obra ensina que a coragem é a mais aplaudida das virtudes, típica dos heróis. Mas tanto pode ser exercida pelos grandes homens como pelos perversos.
Quanto à justiça, li com a avidez angustiada de quem atua na área jurídica, consciente de que é uma virtude que não existe. Somente surge com a capacidade de realização concreta. A prática da justiça é um dos principais desafios da humanidade. “A justiça existirá se a fizermos”, afirma o filósofo Alain, citado na obra.
A tolerância, principalmente nesses tempos de divisões e polaridades, se apresenta como uma necessidade. Exercer essa virtude é renunciar à cólera, superar a si mesmo em benefício do outro. Após ler André Comte, seríamos capazes de tolerar os intolerantes? As respostas não são óbvias. A natureza humana é mais dotada de vícios do que de qualidades. E a tolerância é limitada, pois do contrário seria inviável. O amor, sim, pode ser aplicado sem fronteiras.
Surpresas e reflexões
O livro surpreende o senso comum e discute com inteligência aspectos pouco compreendidos. A beleza não é, curiosamente, considerada uma virtude, embora seja idolatrada socialmente. Contudo, a doçura - quase sempre relacionada à fragilidade - o é, pois como afirma o autor “é uma coragem sem violência, uma força sem dureza, um amor sem cólera”.
Enfim, o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes é uma obra que ajuda a compreender o caminho que devemos tomar sob a moralidade de fazer o bem. Ninguém é suficientemente virtuoso que não possa melhorar e nem indigno ao ponto que não seja capaz de evoluir. Todos podemos aprender com as lições de Comte-Sponville.