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O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, apresentou ao Supremo Tribunal Federal denúncias contra ex-presidente da República Jair Bolsonaro  (PL) e outras 33  pessoas, acusando-os de estimular e praticar atos que atentaram contra o Estado Democrático de Direito.

Os fatos foram divididos em cinco peças acusatórias, distribuídas ao Ministro Alexandre de Moraes , incumbido de exercer a relatoria dos casos, que irão tramitar na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

Acusações e enquadramento jurídico

O PGR aponta as práticas de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.

Figuram como denunciados pessoas que exerceram altos cargos na gestão do ex-presidente Bolsonaro, entre as quais Walter Souza Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, candidato à vice-Presidente na chapa derrotada, e General do Exército, atualmente preso); Alexandre Rodrigues Ramagem (Delegado Federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência), e Anderson Gustavo Torres (Delegado Federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública).

A iniciativa do Procurador-Geral era aguardada, considerando as apurações da Polícia Federal, cujo relatório final promoveu vários indiciamentos e trouxe à tona a existência de ações planejadas e coordenadas que buscaram impedir a consumação do resultado das eleições presidenciais de 2022.

Destaca-se a denúncia oferecida contra Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Almir Garnier Santos, Augusto Heleno Ribeiro Pereira e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, os três últimos militares de alta patente.

Mauro César Barbosa Cid, tenente-coronel do Exército e incluído como denunciado na peça, formalizou colaboração premiada e apresentou elementos que serviram de base para respaldar parte das imputações.

A estrutura da denúncia e sua importância histórica

A denúncia aponta que essas pessoas compunham o núcleo crucial da organização criminosa, contexto indicativo de uma perspectiva de punição que, se concretizada ao final do julgamento, sugere a imposição de penas de maior rigor.

As discussões sobre os fatos e a dinâmica do julgamento têm gerado abordagens e polêmicas as mais variadas, seja na mídia, nas redes sociais e nas conversas cotidianas.

Contudo, aspecto relevante que merece ser destacado é a estrutura narrativa da denúncia assinada pelo Procurador-Geral da República.

Em termos jurídicos, a denúncia é uma peça que formaliza a acusação, cujo teor deve conter, necessariamente, a exposição do fato apontado como criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação precisa do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessária, a relação (chamado rol) das testemunhas a serem ouvidas em juízo.

A formalização de uma denúncia que contenha todos os elementos permite à defesa exercer com amplitude seu papel de impugnação.

A lei - no caso o Código de Processo Penal,  impõe apenas esses requisitos para que a denúncia possa ser recebida, estimulando-se que, nas manifestações dessa natureza, a redação se restrinja a tais aspectos.

Como consequências, as denúncias em geral são sucintas e se limitam a dizer o absolutamente necessário, evitando abordagens que extrapolem aspectos considerados determinantes para o julgamento.

"Introdução necessária"

A denúncia do PGR contra os componentes do chamado núcleo da organização adota uma opção diferenciada: a peça possui 272 páginas e destaca um tópico inicial com o título “Uma introdução necessária” (páginas 5 a 23).

A leitura dessa parte da denúncia demonstra o cuidado do Procurador-Geral da República com a importância histórica de sua manifestação, cujo teor é extremamente sensível, não somente sob o aspecto jurídico, mas sobretudo pelo contexto institucional e político que o país atravessa.

O PGR procura esclarecer e blindar a sua posição como órgão incumbido de promover a ação penal, afirmando que “A defesa da democracia se realizada em vários níveis de intensidade institucional” , para concluir que a Constituição faz do Ministério Público o defensor da democracia, ameaçada pelas práticas criminosas.

Reafirmou o chefe do Ministério Público Federal sua missão de preservar e ser o garantidor do modelo democrático.

Gonet escreve que “Num regime republicano, todos são aptos a serem responsabilizados por condutas penalmente tipificadas”, afastando qualquer imunidade àqueles agentes que praticaram ilícitos no exercício de altas funções da República.

Ao assinar a denúncia e expressar o papel do Ministério Público, o PGR o faz consciente que a sua manifestação – apesar de destinada aos magistrados do STF, estabelecendo uma discussão que recomenda apreciações técnicas – será objeto de avaliação da sociedade nacional, observada sua pluralidade e suas tensões.

Nessa mesma introdução o PGR procura, antes de narrar os atos executórios e todas as suas circunstâncias, contextualizar historicamente os fatos, trazendo-os para uma complexidade inerente às práticas criminosas.

A denúncia faz uma narrativa cronológica, realçando desde os discursos hostis do então Presidente – ainda no ano de 2021 – sobre o descontentamento em relação a decisões dos tribunais superiores e ao sistema eleitoral eletrônico, até as práticas de invasão e destruição de prédios e bens públicos tombados em Brasília, ocorridas em 8 de janeiro de 2023.

Repercussão e expectativas

Os registros históricos detalhados da incitação e do planejamento de uma ruptura democrática procuram demonstrar que o objetivo dos denunciados – impedir o funcionamento dos poderes da República e depor um governo democraticamente eleito - esteve muito mais próximo de ser atingido do que se imaginara.

O Procurador-Geral se permitiu, enfim, ao formular uma peça que a lei processual impõe requisitos de rígida observância, narrar fatos historicamente marcantes – sobretudo pela violência, ousadia e gravidade – com reflexões éticas e filosóficas, construindo frases como Se o respeito à dignidade da pessoa é a causa final da sociedade arquitetada pela Constituição em vigor, o modelo democrático é a sua causa eficiente ”.

Os desdobramentos referentes ao exercício da ampla defesa dos acusados, assim como as decisões dos julgamentos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, certamente serão acompanhados com atenção por toda audiência nacional.

Quanto à atuação do Ministério Público Federal, personificada na conduta do Procurador-Geral da República, exigirá firmeza e equilíbrio para exercer as tarefas constitucionais que a própria denúncia realça.

O desfecho desses julgamentos históricos será um marco importante no fortalecimento das Instituições que os atos praticados tentaram fragilizar.


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