
Em tempos de ruído institucional e tentativas sistemáticas de reescrever a história recente do país, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu romper o silêncio com uma entrevista contundente aos jornalistas Ricardo e Guga Noblat. O que se ouviu foi mais do que um desabafo: foi um diagnóstico preciso sobre as ameaças que rondam a democracia brasileira — e o papel fundamental da Suprema Corte como último bastião contra o retrocesso autoritário.
O retorno do autoritarismo travestido de projeto de lei
Ao criticar propostas que buscam dar ao Congresso o poder de anular decisões do STF, Gilmar foi enfático: trata-se de uma ideia reciclada do autoritarismo do Estado Novo. “Isso constava da polaca. Getúlio usou esse dispositivo contra decisões do Supremo. Era uma ditadura, não uma democracia.” O alerta é claro: medidas como essa colocam em risco o equilíbrio entre os poderes e sinalizam o enfraquecimento deliberado do Judiciário.
“Anistia não é paz: é proteção para golpista”,
Uma das falas mais incisivas do ministro foi contra o projeto de anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro. Para ele, usar personagens caricatos como a influenciadora Débora do Batom como símbolo de perdão coletivo é uma estratégia para blindar os verdadeiros articuladores do golpe. “ Anistia não é paz: é proteção para golpista”, disparou, alertando para o risco de que a impunidade comprometa o próprio processo civilizatório do país.
Tanques na rua e silêncio institucional
O ministro também apontou a responsabilidade das Forças Armadas nos episódios recentes de instabilidade. Citando o grotesco desfile de tanques na Esplanada e a conivência com os acampamentos golpistas, Gilmar questionou: “O que fizemos para permitir que isso acontecesse? E o que faremos para evitar que se repita?” É uma cobrança direta ao Legislativo e aos comandos militares, que assistiram — muitas vezes em silêncio — a movimentos que atentaram contra a ordem constitucional.
STF e a “insensatez bolsonarista” na pandemia
Gilmar Mendes voltou a defender a atuação do STF durante a pandemia de Covid-19, afirmando que a Corte teve papel decisivo para conter a “marcha da insensatez” promovida pelo governo Bolsonaro. Segundo ele, sem a intervenção judicial, o Brasil teria seguido uma política de “imunidade de rebanho” sem respaldo científico, com consequências ainda mais trágicas. “ O STF salvou vidas da insensatez bolsonarista”, resumiu.
A guerra assimétrica das redes
O desgaste da imagem do Supremo nas redes sociais também foi pauta. Gilmar reconheceu que a Corte é alvo constante de uma “minoria barulhenta” que tenta deslegitimar suas decisões, mas contrapôs essa narrativa à existência de uma “maioria silenciosa” que compreende e respeita o papel institucional da Corte. “Cumprimos um papel ingrato, mas essencial: contrariar a vontade popular quando ela contraria a Constituição".