
Depois de dois anos de críticas implacáveis à política monetária conduzida por Roberto Campos Neto — indicado por Jair Bolsonaro — o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrentam um dilema político e moral: como justificar o aumento da taxa básica de juros agora que o Banco Central está sob o comando de aliados nomeados por eles mesmos.
Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central decidiu elevar a taxa Selic em 0,50 ponto percentual, levando os juros a 14,75% ao ano. A decisão, unânime, escancarou uma realidade incômoda para o governo: a troca de comando na instituição — com a chegada de Gabriel Galípolo à presidência — não significou mudança alguma de rota.
Galípolo, afilhado político de Haddad, foi alçado ao cargo com o discurso de que traria equilíbrio entre responsabilidade fiscal e sensibilidade social. Na prática, vem repetindo a cartilha de seu antecessor. A continuidade da “política monetária asfixiante”, como definiu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), acentua o distanciamento entre o governo federal e as bases sociais que o elegeram.
A Faria Lima venceu
Na nota publicada, a CUT expressou “veemente repúdio” à decisão do Copom, argumentando que a medida reforça os interesses da elite financeira em detrimento do desenvolvimento nacional. A entidade lembra que a atual composição do Copom, mesmo com novos nomes, continua orientada por uma lógica de mercado, sem qualquer contrapeso popular ou representação de trabalhadores.
“O aumento da Selic para 14,75% representa uma transferência brutal de renda dos mais pobres para os mais ricos”, diz o documento. A CUT estima que os sucessivos aumentos de juros desde setembro de 2024 já custaram ao país R$ 212,5 bilhões anuais em encargos da dívida pública — recursos que poderiam ser investidos em saúde, educação, infraestrutura e geração de empregos.
O questionamento é direto: se antes o governo atribuía a alta dos juros à herança bolsonarista de Campos Neto, a quem caberá a culpa agora? Lula e Haddad irão reconhecer que seus indicados mantiveram exatamente a mesma política? Ou preferirão o silêncio cúmplice para evitar desgaste político.
O desgaste de Haddad e o custo político
A permanência de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda tem provocado tensões internas no governo. Seus movimentos para agradar o mercado financeiro, como o arcabouço fiscal rígido e a postura favorável à autonomia do Banco Central, desgastaram sua imagem junto à ala progressista do governo — e minaram sua utilidade como fiador político da candidatura à reeleição de Lula.
Se antes Haddad era visto como obstáculo à agenda econômica liberal, hoje ele parece ser o principal garantidor dela. Sua proximidade com os círculos da Faria Lima e sua defesa de políticas restritivas tornam difícil sustentá-lo como símbolo de um governo voltado à reconstrução social e à ampliação de direitos.
O BC autônomo — até quando
A CUT defende abertamente a revogação da autonomia do Banco Central e a reconstrução do Copom com representação de setores sociais. Segundo a central, enquanto a autoridade monetária continuar sendo um bastião exclusivo do mercado, não haverá política econômica voltada para o povo.
Esse debate deve ganhar força nas próximas semanas. Com os juros nas alturas, crescimento abaixo das expectativas e pressões sociais crescentes, o governo Lula se vê encurralado entre manter as aparências diante do mercado e responder à sua base popular, que cobra coerência entre o discurso e a prática.
Perguntas que não se calam
Afinal, quem manda no Banco Central. Se o próprio governo Lula indicou seus quadros para a instituição, por que a política monetária continua sendo guiada pelos interesses da elite financeira. O Palácio do Planalto vai sustentar esse modelo ou começará a rever suas escolhas.
Mais do que uma disputa técnica, a condução da política de juros revela o centro da encruzilhada ideológica em que o governo se encontra. A resposta — ou a falta dela — poderá custar caro nas urnas em 2026.