Rodrigo Lopes

Racha entre Motta e Alcolumbre põe em risco votações no Congresso

A rejeição da PEC da Blindagem expôs a falta de sintonia entre os presidentes da Câmara e do Senado e abriu uma crise no Congresso Nacional

Davi Alcolumbre e Hugo Motta
Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Davi Alcolumbre e Hugo Motta
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A rejeição da  Proposta de Emenda a Constituição (PEC) da Blindagem pelo Senado foi mais do que um revés para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos) . O episódio simboliza um Congresso desarticulado, marcado por disputas pessoais e pela ausência de uma estratégia comum entre as duas Casas. O afastamento entre Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União), expôs fissuras que colocam em risco votações consideradas estratégicas tanto para o Legislativo quanto para o governo Lula (PT).

A decisão dos senadores, além de rejeitar uma proposta vista como controversa, serviu como recado político: o Senado não aceitará ser avalista de pautas conduzidas de forma unilateral pela Câmara. O resultado é uma crise de coordenação que enfraquece o papel institucional do Congresso e dá margem para o Executivo ditar o ritmo das reformas.

A contaminação da pauta e o risco de paralisia

O desgaste entre as Casas já ameaça o andamento de projetos de forte apelo social, como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. Deputados avaliam que a pauta pode ficar “contaminada” pelo clima de tensão, enquanto senadores, liderados por Renan Calheiros (MDB), avançam em um texto próprio — gesto que aprofunda o confronto e reforça a sensação de desgoverno legislativo.

As divergências, contudo, não são novas. Medidas provisórias, o novo Código Eleitoral e a regulação da inteligência artificial já haviam evidenciado a dificuldade de Câmara e Senado em atuar de forma harmônica. Em vez de cooperação, prevalece a lógica da disputa: cada Casa buscando protagonismo próprio, mesmo que à custa do interesse público.

O discurso conciliador e o gelo político

Ao tentar apagar o incêndio, Motta adotou um tom conciliador. “O Senado se posicionou, e bola pra frente. Divergências fazem parte da democracia”, declarou . Mas o gesto não bastou para reduzir o mal-estar. O distanciamento ficou evidente até em eventos sociais, como o jantar promovido pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em que os dois presidentes quase não se falaram.


Nos bastidores, aliados de Motta reconhecem que a crise poderia ter sido evitada se a votação tivesse ocorrido de forma simultânea nas duas Casas, evitando a “fritura política” do deputado. Já senadores próximos a Alcolumbre sustentam que o texto aprovado pela Câmara distorcia o que havia sido negociado, especialmente ao retomar o voto secreto em processos criminais contra parlamentares e ampliar o foro privilegiado — pontos considerados inaceitáveis.

O Planalto observa — e capitaliza

Enquanto Câmara e Senado trocam farpas, o governo Lula colhe dividendos. De Nova York, o presidente classificou a PEC como “vergonha nacional” e celebrou sua derrubada como “previsível”. Ao se descolar da proposta, o Planalto reforça a imagem de equilíbrio institucional e ganha fôlego político diante de um Congresso fragilizado e dividido.

O Centrão, irritado com a derrota, ameaça reagir. Líderes já falam em endurecer a pauta, resgatando projetos como a PEC da Segurança e o calendário do IR como forma de pressionar o Senado e reafirmar poder. O risco é transformar o Parlamento em um campo de retaliações cruzadas — onde o cálculo político se sobrepõe à agenda do país.

Entre o confronto e a reconstrução

Diante do impasse, o Senado tenta sinalizar boa vontade ao acelerar a tramitação da PEC que limita decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal. A proposta é vista como um ponto de convergência capaz de reabrir canais de diálogo. Ainda assim, a desconfiança mútua permanece.

Sem um mínimo de cooperação, o Congresso corre o risco de se tornar refém de crises internas e perder protagonismo em decisões nacionais. A disputa por espaço entre Câmara e Senado não é apenas uma questão de vaidade — é um sintoma de um Legislativo que ainda não encontrou sua bússola. E, sem direção, o maior prejudicado é o país.