
O poder de veto do presidente da República, garantido pela Constituição Federal, é peça-chave na relação entre o Executivo e o Legislativo. Previsto no artigo 66, § 1º, o mecanismo permite ao chefe do Executivo barrar total ou parcialmente projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional, com base em inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse público.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o projeto de lei complementar que previa o aumento do número de deputados federais de 513 para 531. A decisão foi justificada com base em argumentos técnicos e jurídicos, como o risco de violação ao regime fiscal e à responsabilidade orçamentária.
Na teoria, trata-se de um instrumento de equilíbrio entre os Poderes. Na prática, o veto frequentemente adquire contornos eminentemente políticos, especialmente em momentos de tensão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
Veto como freio institucional — ou estopim de crise
O veto presidencial não é definitivo: o Congresso pode rejeitá-lo, desde que haja maioria absoluta na Câmara e no Senado, em sessão deliberativa conjunta. Esse jogo de forças, quando bem conduzido, fortalece o diálogo interinstitucional e a construção de consensos.
No entanto, o que deveria ser uma ferramenta técnica pode acabar sendo interpretado como gesto político.
Quando vetos ocorrem em sequência ou envolvem temas sensíveis, eles inflam o clima beligerante entre os Poderes, especialmente em cenários de polarização acirrada, como atualmente se observa no país.
Sanção tácita: quando o silêncio fala alto
Em junho de 2025, o Congresso promulgou a Lei 15.152/2025, que institui o Dia da Amizade Brasil-Israel (12 de abril). O detalhe é que a norma foi aprovada sem manifestação do presidente da República dentro do prazo constitucional de 15 dias úteis — situação conhecida como sanção tácita.
A relação diplomática entre Brasil e Israel sofreu abalos recentes. Lula considera desproporcional a reação de Israel ao massacre praticado pelo Hamas em outubro de 2023, tachando a incursão militar em Gaza como prática genocida.
Historicamente, os países mantêm uma relação amistosa. O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1948, a sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que aprovou a Resolução 181 - conhecida como Plano de Partilha da Palestina - que estabeleceu a criação do Estado de Israel. A atuação brasileira foi considerada decisiva para o êxito da proposta.
Ao permitir que o projeto de lei que reafirma os laços do país com Israel fosse promulgado sem anuência ou rejeição explícita, Lula deixou o protagonismo para o Poder Legislativo, que assumiu os desgastes provenientes da opção de reiterar os laços com Israel, apesar das crescentes repulsas geradas pelas cenas dramáticas vindas de Gaza.
Veto ao aumento de deputados: risco fiscal
Em 17 de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o Projeto de Lei Complementar (PLP) 177/2023, que previa o aumento do número de deputados federais de 513 para 531 e a redistribuição de cadeiras entre os estados.
O Palácio do Planalto alegou que a proposta violava regras constitucionais e fiscais, como o artigo 167, § 7º, da Constituição, o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Segundo o governo, a medida criaria despesas obrigatórias sem previsão de impacto financeiro ou fonte de custeio, o que contraria o regime fiscal vigente. A mensagem de veto foi acompanhada de pareceres técnicos dos ministérios da Justiça, Fazenda e Planejamento, reforçando o caráter técnico da decisão.
Na avaliação política, o veto atendeu às expectativas da maioria da opinião pública, que repudiou a ideia de ampliação de cadeiras no parlamento. A eventual insistência do Poder Legislativo em preservar a lei complementar, mediante rejeição do veto presidencial, certamente aprofundará o desgaste do Congresso na condução dessa pauta.
Veto como sinal político e termômetro institucional
A utilização — ou a ausência — do veto presidencial é sempre um gesto dotado de peso político. Quando bem fundamentado, contribui para a segurança jurídica e a responsabilidade fiscal. Mas, quando mal comunicado ou usado como instrumento de embate político, pode alimentar a tensão entre os Poderes e comprometer a harmonia institucional.
Nos bastidores, tanto o silêncio quanto o veto têm mensagens a transmitir: de recado político a afirmação de autoridade. O desafio do Executivo é equilibrar técnica e política, evitando que a prerrogativa constitucional se transforme em obstáculo à governabilidade ou sinal de enfraquecimento da articulação com o Congresso.
Em momento histórico de escalada dos antagonismos e das rivalidades políticas, cada gesto institucional — mesmo os que parecem meramente burocráticos — ganha peso. E o veto, nesse contexto, permanece como um dos principais termômetros da relação entre o Planalto e o Parlamento.