
A fragilidade da base aliada do governo Lula (PT) deixou de ser uma impressão para se tornar um dado objetivo. A votação que derrubou o decreto do aumento do IOF na Câmara dos Deputados — com impressionantes 383 votos contra e apenas 98 a favor — não foi apenas uma derrota fiscal. Foi uma humilhação política. Um aviso. E, talvez, o início de um isolamento institucional inédito no terceiro mandato de Lula.
Não se trata de uma pauta impopular ou ideológica. Era uma medida considerada essencial pela equipe econômica, defendida em nome do equilíbrio das contas públicas. Ainda assim, partidos com ministérios no governo — como PSD, MDB, União Brasil, Republicanos e PP — votaram em massa contra o decreto, alinhando-se à oposição liderada pelo PL. A base virou oposição sem precisar trocar de cadeira.
Um governo cercado por todos os lados
O diagnóstico é alarmante. A queda na aprovação presidencial, já detectada por institutos como Datafolha e Ipsos/Ipec, reflete no plenário com uma velocidade e intensidade que o Planalto parece não ter conseguido antecipar.
Além disso, há ruídos que ultrapassam a pauta tributária. Cresce a irritação do centrão e de outros aliados com a influência que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem exercendo sobre a agenda política — e, sobretudo, sobre o dinheiro.
O ex-ministro da Justiça Flávio Dino , hoje no STF, virou símbolo dessa tensão. É ele quem trava a liberação de emendas sob suspeita, exige mais transparência no uso de verbas e ainda relata investigações contra parlamentares.
Não por acaso, Dino virou alvo de ataques diretos e indiretos de parlamentares de todos os espectros. Ele encarna o que muitos veem como uma “dobradinha” entre Executivo e Judiciário — um arranjo que, na prática, só serve para irritar ainda mais um Legislativo cada vez mais autônomo e com pretensões próprias para 2026.
2026 já começou — e sem Lula na roda de conversas
O mais preocupante para o governo é que o episódio do IOF revelou um dado estrutural: a lealdade da base está condicionada à sobrevivência política individual. E isso vale principalmente para os partidos fisiológicos, que já calculam com quem estarão daqui a dois anos. A movimentação rumo à oposição não se dá mais por ideologia — é cálculo puro.
No fundo, o que se desenha é um realinhamento precoce da base parlamentar visando 2026. E Lula, que chegou ao poder com discurso de reconstrução nacional, corre o risco de assistir ao rearranjo de forças sem assento garantido à mesa. Nem os ministérios, nem as emendas, nem os gestos políticos têm conseguido conter a debandada.
Judicializar é perder duas vezes
Há, no governo, quem cogite recorrer ao STF para reverter a decisão da Câmara. Seria um erro tático e estratégico. Judicializar a política, além de ferir a já combalida relação entre os Poderes, alimenta a narrativa da oposição de que o Executivo não respeita a autonomia do Congresso. E, mais grave, reforça a ideia de um governo encurralado, que governa por decretos e liminares.
Uma articulação que não articula
O caso do IOF é apenas a ponta do iceberg. Ele expõe um problema muito mais amplo: a total desorganização da articulação política do governo. Falta comando, falta estratégia e, principalmente, falta escuta. A interlocução com o Congresso está diluída entre ministros sem peso político, líderes sem ascendência sobre suas bancadas e um presidente que parece resistir a entrar no jogo de forma direta.
Se nada for feito, o risco é de paralisia política em pleno funcionamento das instituições. As próximas pautas fiscais, administrativas e até sociais tendem a ser ainda mais difíceis de aprovar. A erosão da governabilidade já começou — e, no ritmo atual, pode virar colapso institucional.