
O governo Lula enfrenta um dos momentos mais delicados de sua atual gestão. O escândalo envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a crescente impopularidade da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e os sucessivos recuos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são apontados como os principais responsáveis pela recente queda na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Dados recentes do instituto AtlasIntel mostram que a desaprovação do governo chegou a 54%, enquanto a aprovação recuou para 45%, indicando uma inversão na tendência dos meses iniciais, quando os otimismos econômico e político predominavam.
O recuo no aumento do IOF
Em meio a críticas intensas do Congresso e do setor empresarial, o ministro da Fazenda voltou atrás em importantes medidas fiscais, expondo a fragilidade política do governo.
Nas últimas semanas, Fernando Haddad enfrentou fortes críticas após anunciar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) . A proposta, apresentada como essencial para reforçar o equilíbrio fiscal, foi rapidamente contestada por parlamentares e representantes do setor produtivo, que alertaram sobre impactos negativos na já fragilizada economia.
Diante da intensa repercussão negativa, o governo suspendeu a proposta antes mesmo de enviá-la ao Congresso.
A tentativa frustrada de limitar créditos de PIS e Cofins
Em mais um episódio de desgaste, o governo enviou medida provisória para limitar créditos de PIS e Cofins , buscando aumentar a arrecadação e compensar perdas fiscais.
A proposta, no entanto, foi mal recebida por empresários e setores produtivos, além de gerar insatisfação dentro da base aliada. O clima de resistência forçou mais um recuo, evidenciando dificuldades na articulação política e na construção de consensos.
A proposta de taxação do Pix e mais um recuo
A discussão sobre a possibilidade de taxar transações via Pix gerou imediata reação negativa da sociedade, do setor empresarial e de parlamentares, que a consideraram impopular e prejudicial ao sistema de pagamentos mais eficiente do país.
Mais uma vez, o governo e Haddad recuaram, evitando aprofundar ainda mais o desgaste político.
A sequência de anúncios e ''voltas atrás'' colocou Fernando Haddad no centro das críticas, ampliando dúvidas sobre sua capacidade de liderar a política econômica do governo em um ambiente altamente polarizado e resistente a aumentos de carga tributária.
O impacto da crise no INSS: um abalo estrutural
O escândalo envolvendo o INSS, com fraudes estimadas em mais de R$ 6 bilhões , representa não apenas um crime contra milhões de beneficiários, mas também uma quebra simbólica na confiança da população em um dos pilares históricos do projeto petista: a proteção social.
A operação '' Sem Desconto'', da Polícia Federal, revelou a participação de entidades que aplicavam descontos indevidos em aposentadorias, atingindo os setores mais vulneráveis da sociedade.
A crise no INSS pode ser comparada, em termos de impacto político, à crise dos precatórios que atingiu o governo de Fernando Henrique Cardoso no fim dos anos 1990.
Em ambos os casos, falhas administrativas e escândalos financeiros afetaram a credibilidade das políticas sociais e alimentaram o discurso oposicionista sobre a ineficiência estatal.
A imagem de Janja e o risco do personalismo
Paralelamente, a crescente impopularidade da primeira-dama adiciona um componente simbólico ao desgaste do governo.
Levantamento da Quaest Consultoria mostra que 58% dos entrevistados possuem visão negativa de Janja — índice superior ao de primeiras-damas de gestões anteriores, como Marcela Temer ou Ruth Cardoso, que mantiveram uma presença mais discreta.
A mudança de perfil, com Janja assumindo papel ativo na agenda política e social, reflete transformações importantes na representação feminina na política, mas também expõe vulnerabilidades.
Sua presença constante ao lado do presidente e atuação direta em iniciativas como o combate à violência contra a mulher transformaram-na, aos olhos de muitos, numa figura com influência excessiva no núcleo decisório do governo.
Esse cenário gerou reações internas no próprio PT , onde setores tradicionais consideram que a centralização política em torno de Lula e Janja tem isolado figuras históricas e prejudicado a diversidade de conselhos que marcou os dois primeiros mandatos do presidente.
As redes sociais como termômetro do desgaste
A erosão da imagem presidencial também se reflete nas redes sociais. Segundo levantamento da Ativaweb, as contas oficiais de Lula perderam mais de um milhão de seguidores em seis meses.
Embora seguidores não sejam votos, a retração revela uma deterioração no engajamento da militância e uma perda de capacidade de mobilização — fenômeno que também afetou governos anteriores, como o de Dilma Rousseff, especialmente após as jornadas de junho de 2013.
Além disso, o discurso de adversários ganha força, consolidando a narrativa de que Lula estaria “desconectado” dos problemas reais do país e “refém” de um núcleo político restrito e impermeável às críticas.
Comparações internacionais: o peso das figuras familiares no governo
O papel de Janja na política brasileira pode ser comparado ao de figuras como Cristina Kirchner, na Argentina, que manteve papel central na condução política do kirchnerismo, ou Hillary Clinton, nos Estados Unidos, durante a presidência de Bill Clinton.
Em ambos os casos, o ativismo das figuras femininas próximas ao poder provocou divisões políticas e reações sociais ambivalentes.
No Brasil, porém, a tradição tem sido a de primeiras-damas discretas e distantes do centro decisório. A quebra desse padrão sinaliza avanços em termos de igualdade de gênero, mas também desafia expectativas culturais e políticas ainda fortemente arraigadas.
Caminhos para a recomposição
A gestão dessas frentes de crise — a material, envolvendo o INSS, e a simbólica, ligada à imagem de Janja e Haddad — exigirá do governo Lula uma capacidade política que, até aqui, se revelou insuficiente.
A resposta ao escândalo do INSS terá que ir além de investigações e punições: será necessária uma revisão profunda dos mecanismos de controle, transparência e governança do sistema previdenciário, para restaurar a confiança da população.