Rodrigo Lopes

Partido Novo é acusado de calote em contas de campanha de Zema

Empresa contratada para panfletagem na reeleição afirma que serviços foram prestados, mas não pagos, e pede à Justiça investigação de verba pública

Romeu Zema
Foto: Agência Minas
Romeu Zema



Documentos apresentados à Justiça apontam que o partido Novo teria utilizado recursos públicos de forma irregular, e deixado um calote de quase meio milhão de reais, na campanha de reeleição do governador Romeu Zema em 2022. Após receber a denúncia no mês passado, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, encaminhou o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR) para as providências jurídicas cabíveis. 

A agência Palhares, que atuou na contratação e gerenciamento de equipes para distribuição de material gráfico em todo o estado, afirma ter recebido apenas a primeira parcela do contrato, no valor de R$ 500 mil. Outras duas parcelas, de R$ 235 mil cada, não teriam sido pagas, além de despesas adicionais que somam R$ 11 mil.

A sócia da empresa, Gesiele Palhares, afirma que o governador reconheceu formalmente os serviços, lançou as notas fiscais correspondentes e, mesmo assim, o pagamento não foi feito. O caso, segundo ela, configura não apenas inadimplência, mas uma possível fraude contábil eleitoral:

As contas na justiça eleitoral foram aprovadas como se os valores tivessem sido pagos. Isso é gravíssimo — o dinheiro não foi devolvido e o governador tenta rescindir um contrato já validado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).”

A denúncia pede abertura de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que pode, em tese, levar até à cassação da chapa caso o tribunal entenda que houve abuso de poder econômico ou desvio de finalidade de recursos públicos de campanha.

A reação do governo e o contraponto da Justiça

Procurado pela reportagem, o governador preferiu não se manifestar. Por meio da assessoria, o governo informou que o assunto é de natureza eleitoral e orientou que a demanda fosse encaminhada ao Partido Novo. 

O presidente estadual do Partido Novo, Christopher Laguna, afirmou que o contrato com a agência Palhares foi rompido por causa da má prestação de serviços durante a campanha eleitoral. Segundo ele, o acordo previa a contratação de cerca de 200 profissionais, número que não foi cumprido pela empresa, o que motivou a rescisão.

Laguna explicou que foram pagos R$ 500 mil à agência, enquanto o valor restante do contrato foi depositado em juízo até a conclusão da disputa judicial. O dirigente ressaltou ainda que o Partido Novo não utiliza recursos do Fundo Partidário nem do Fundo Eleitoral, e que, na campanha de 2022, não houve uso de dinheiro público.

No processo, a campanha de Zema reagiu afirmando que o caso se trata de um “mero desacordo comercial”. Segundo a defesa, a empresa não teria cumprido integralmente o contrato, motivo pelo qual houve a rescisão unilateral.

No entanto, decisões recentes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) vêm contrariando essa versão. Em setembro, a 13ª Câmara Cível manteve o efeito suspensivo a favor da Palhares, destacando “probabilidade de acolhimento da pretensão recursal” e “risco de prejuízo grave” diante do inadimplemento da campanha.

O relator, desembargador Newton Teixeira Carvalho, foi direto: o recurso do governador e do Partido Novo expressa “mero inconformismo”.

O tribunal também ressaltou que o agravo interno apresentado por Zema não trouxe nenhum elemento novo capaz de reverter a decisão anterior, mantendo válida a liminar que protege os interesses da empresa enquanto o mérito segue em análise.

Indícios de abuso e práticas questionáveis

Nos autos, a empresa relata que a equipe de campanha exigia “pessoas de boa aparência e bonitas” para trabalhar na panfletagem e que impôs o uso de um aplicativo de rastreamento em celulares pessoais dos contratados — medida considerada ilegal por advogados consultados pela reportagem.

Além disso, as notas fiscais teriam sido emitidas e registradas integralmente no sistema de prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral, o que reforça a suspeita de irregularidade contábil. Se comprovado que o valor foi declarado como quitado sem pagamento efetivo, Zema pode ser enquadrado em omissão de despesa eleitoral, o que implicaria crime previsto na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997).

Cassação, improbidade e desgaste político

O advogado Ítalo Samuel Jesus avaliam que o caso, embora ainda dependa de apuração, reúne elementos para uma ação por abuso de poder econômico e improbidade administrativa. O ponto mais sensível, segundo eles, é a aprovação das contas pelo TSE com base em informações possivelmente inverídicas.

Se a Justiça Eleitoral julgar procedente a denúncia, Zema e o vice, Mateus Simões, poderão enfrentar um processo que, em última instância, pode resultar na cassação da chapa.

Mais do que uma disputa comercial, o episódio lança sombras sobre o discurso do “gestor ético” que o governador usa como marca política. E, enquanto o processo avança, cresce em Minas Gerais a percepção de que a reeleição de Zema, vendida como exemplo de eficiência empresarial, pode ter sido financiada com práticas que ele próprio jurava combater.