Rodrigo Lopes

Calar Bolsonaro é um erro: democracia não se defende com censura

Editorial da Folha alertar que liberdade de expressão vale até para réus — e que arbitrariedade não combate autoritarismo

Eduardo, Bolsonaro e Flàvio
Foto: Rede social
Eduardo, Bolsonaro e Flàvio


Por mais controverso que seja o legado político de Jair Bolsonaro (PL) — um ex-presidente que frequentemente afrontou a Justiça e atacou os pilares da democracia ao tentar dar um dolpe de estado —, isso não justifica medidas judiciais que busquem silenciá-lo por meio da restrição de sua liberdade de expressão. Essa estratégia é não apenas perigosa, mas essencialmente antidemocrática. O editorial da Folha de S.Paulo , publicado nesta terça-feira (6), faz um alerta necessário e corajoso: combater o autoritarismo não pode significar a adoção de métodos autoritários.


A democracia não se defende com censura

O ex-presidente é réu em processos que investigam sua participação em uma tentativa de golpe de Estado. É acusado de mobilizar seus seguidores contra instituições democráticas, de colocar em dúvida, de forma irresponsável, o sistema eleitoral, e de insuflar protestos em frente a quartéis. Tudo isso é grave — e merece julgamento, punição exemplar e reparação histórica.

Mas o fato de Bolsonaro estar sob investigação não justifica que o Estado brasileiro, por meio de seus tribunais superiores, lhe imponha censura prévia ou restrições arbitrárias à comunicação com a sociedade. A Constituição de 1988 não admite zonas de silêncio político. É um erro imaginar que calar alguém por força judicial vá desfazer os danos causados por seus atos anteriores.

Liberdade de expressão é cláusula pétrea — mesmo para réus

A Folha acerta ao lembrar: a liberdade de expressão é um direito inalienável, mesmo para aqueles sob julgamento. Essa garantia constitucional foi colocada à prova, por exemplo, em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal barrou entrevistas com o então ex-presidente Lula, preso em Curitiba. O tempo revelou o tamanho do equívoco — e o dano à democracia.

Fazer o mesmo com Bolsonaro seria repetir o erro, com outros protagonistas. O Judiciário não pode transformar a repulsa ao bolsonarismo em ferramenta de exceção. O direito à palavra não depende da biografia do indivíduo, mas da integridade das instituições que o garantem.

Não se combate tirania com arbitrariedade

Há uma máxima que vale repetir: “Democratas não se transformam em tiranos para combater a tirania”. Essa é a essência do editorial da Folha. Alexandre de Moraes, ao impor restrições à fala do ex-presidente, ainda que sob o argumento de proteger o inquérito ou evitar novos crimes, abre um precedente que um dia poderá ser usado contra qualquer um — inclusive contra os que hoje aplaudem.

A democracia exige nervos de aço, não impulsos vingativos. Bolsonaro deve ser julgado com todo o rigor da lei, mas a lei deve ser cumprida com equilíbrio e sobriedade. Silenciar um adversário político, por mais nocivo que tenha sido, não fortalece a democracia — apenas expõe suas fragilidades.