Rodrigo Lopes

Vereadores de Minas aprovam auxílio de R$ 9 mil com 13º incluído

Mesmo com sessões semanais e regime de trabalho não exclusivo, parlamentares instituem benefício que pode custar mais de R$ 100 mil por ano

Câmara de vereadores
Foto: Rede social
Câmara de vereadores


Em meio ao aperto fiscal enfrentado por pequenos municípios mineiros, os vereadores de São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, aprovaram uma nova lei que institui um auxílio-alimentação de R$ 700 mensais para os próprios parlamentares. O benefício será pago em 13 parcelas ao longo do ano — com valor dobrado em dezembro, também com direito a “décimo terceiro” — totalizando R$ 9.100 por vereador anualmente.

A medida, que pode entrar em vigor com efeito retroativo a 1º de maio de 2025, tem potencial para gerar um impacto superior a R$ 100 mil por ano aos cofres municipais — em uma cidade com pouco mais de 30 mil habitantes e carências históricas nas áreas de saúde, saneamento básico e mobilidade urbana.


Salto na renda dos parlamentares

Dos 11 vereadores eleitos em 2024, a média de renda declarada à Justiça Eleitoral era de cerca de R$ 4 mil mensais. Hoje, com os vencimentos parlamentares fixados em R$ 10 mil e somados ao novo auxílio, os vereadores passaram a ganhar, direta e indiretamente, quase três vezes mais do que informaram durante a campanha eleitoral.

Além do aumento real de renda, o regime de trabalho dos parlamentares é não exclusivo — ou seja, eles podem manter outras ocupações e não têm obrigação de cumprir expediente diário. Em São Joaquim de Bicas, as sessões da Câmara ocorrem apenas uma vez por semana, sempre à noite.

“Privilégio disfarçado de direito”, dizem juristas

Especialistas em direito público e controle institucional ouvidos pelo Vai na Fonte- IG classificam o novo auxílio como uma forma indireta de aumentar a remuneração dos vereadores sem transparência, sem exigências funcionais e sem qualquer critério técnico.

“Estamos diante de um caso clássico de privilégio disfarçado de direito. Não há qualquer justificativa plausível para esse gasto em uma cidade com baixa arrecadação e serviços públicos deficientes”, afirma o jurista Ítalo Samuel Jesus, que também atua como consultor da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O benefício é pago automaticamente, junto ao salário, sem necessidade de prestação de contas. Por ser classificado como verba indenizatória, o auxílio não sofre tributação e não entra no cálculo do teto constitucional de remuneração no serviço público.

População enfrenta abandono e carências básicas

Enquanto vereadores aprovam o novo benefício, moradores enfrentam a precariedade cotidiana em diversos bairros do município. Em regiões como Vila Rica, Nazaré e Fundão, são comuns os relatos de filas para consultas médicas, falta de medicamentos nas unidades de saúde, ruas esburacadas e ausência de manutenção básica.

“É um escárnio. Estamos cansados de ver criança doente sem atendimento enquanto eles aumentam salário e inventam auxílio para comer”, desabafa a dona de casa Rosimeire Silva, moradora do bairro Fundão.

“Argumento falacioso”, diz especialista

Defensores da medida argumentam que o valor do auxílio-alimentação concedido aos vereadores é o mesmo pago aos servidores efetivos da Câmara Municipal. Mas juristas e advogados apontam diferenças fundamentais entre os dois casos.

“É um argumento falacioso. Servidores têm carga horária fixa, registro de ponto e metas de desempenho. Já os vereadores em cidades pequenas atuam de forma flexível, com sessões esporádicas e baixa demanda legislativa. Igualar essas realidades é desonesto com o contribuinte”, explica a advogada Carolina Carneiro Lopes, especialista em Direito do Trabalho e consultora da Procuradoria do Trabalho em Minas Gerais (MPT ).

Carolina ressalta que, pela legislação brasileira, vereadores podem manter suas profissões de origem, justamente porque não exercem o cargo em tempo integral. “ O que não justifica a concessão de benefícios adicionais como se fosse um vínculo laboral tradicional”, completa.

Custo do benefício supera investimentos sociais

O investimento de mais de R$ 100 mil por ano apenas com o auxílio-alimentação equivale, por exemplo, à construção de dois postos de saúde simplificados ou à ampliação da rede de coleta de esgoto em comunidades vulneráveis da cidade.

A nova lei não exige comprovação dos gastos com alimentação, tampouco estabelece limite de renda para concessão. Isso significa que até parlamentares com empresas, propriedades rurais ou múltiplas fontes de renda podem receber o benefício integral.

Câmara já foi alvo de escândalo de corrupção

A criação do novo auxílio reacende o debate sobre a moralidade dos gastos do Legislativo municipal — e não é o primeiro episódio polêmico envolvendo a Câmara de São Joaquim de Bicas.

Em 2016, cinco vereadores da cidade foram condenados à prisão por participação em um esquema de corrupção que beneficiava empresas com contratos públicos. Na época, a Justiça mineira concluiu que havia uma organização criminosa estruturada dentro da Casa Legislativa, com ramificações em licitações e favorecimentos políticos.

Câmara não responde

A reportagem procurou o presidente da Câmara Municipal de São Joaquim de Bicas, Edilson Gouveia (PP), por meio de mensagem enviada ao celular pessoal. Até o fechamento desta matéria, não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.