
Todos os anos, o município de Cordisburgo, localizado na região central de Minas Gerais, se transforma em palco de celebração cultural com a realização da Semana Rosian a, evento dedicado à memória de João Guimarães Rosa, um dos maiores nomes da literatura brasileira.
A programação do evento – que alcança em 2025 sua 37ª edição - inclui palestras, saraus literários, apresentações teatrais e de dança, oficinas, exposições e cortejos culturais, lançamento de obras literárias e feiras gastronômicas. As atividades ocorrem no período de 06 de 13 de julho e envolvem escritores, artistas, pesquisadores e a comunidade local. Um dos pontos altos da semana é a presença do Miguilim, grupo formado por jovens da cidade que encenam passagens da obra de Rosa e encantam espectadores com sua expressividade e dedicação.
Realizam o evento a Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais; Museu Casa Guimarães Rosa; Prefeitura Municipal de Cordisburgo; Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Cordisburgo e Academia Cordisburguense de Letras Guimarães Rosa.
Um tributo ao mestre das palavras
A Semana Rosiana presta homenagem ao autor de obras como Grande Sertão: Veredas e Sagarana, nascido em Cordisburgo, no dia 27 de junho de 1908. A cidade natal do escritor se torna, nesse período, um espaço de reencontro com suas raízes, sua linguagem singular e seu universo ficcional profundamente enraizado no sertão mineiro.
Guimarães Rosa formou-se em medicina em 1930, exercendo inicialmente a profissão em Itaguara, então distrito de Itaúna. Atuou como médico voluntário na Força Pública (atual Polícia Militar de Minas Gerais), servindo na Revolução Constitucionalista de 1932. Aprovado no concurso do Itamaraty, exerceu a diplomacia como cônsul adjunto em Hamburgo, Alemanha (1938-1942), e nas embaixadas do Brasil em Bogotá e Paris.
Mas foi no campo da literatura que Guimarães exprimiu com plenitude todo o seu brilhantismo. A capacidade destacada no estudo de idiomas o tornou poliglota. Era fluente em alemão, francês, inglês, espanhol, italiano e esperanto. Essa habilidade, juntamente com o estudo gramatical de línguas como árabe, tupi, polonês, japonês, húngaro e hebraico, estimulou no escritor a compreensão de mecanismos que o ajudaram a entender, com maior profundidade, o idioma nacional.
Fato inusitado em sua trajetória decorre da sua eleição e posse para a Academia Brasileira de Letras. À época já um escritor consagrado, foi eleito por unanimidade, em 1963, para ocupar a cadeira de nº 2, que tem como patrono Álvares de Azevedo. Temendo o impacto da emoção, adiou sucessivamente a posse, finalmente ocorrida em 1967. No discurso, realçou que “... a gente morre é para provar que viveu. [...] As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Cumprindo seu destino e seus temores, faleceu três dias depois, em 19 de novembro, no Rio de Janeiro, vítima de infarto.
João Guimarães Rosa revolucionou a literatura brasileira ao dar voz ao sertanejo com uma linguagem inovadora, marcada por neologismos, arcaísmos e uma musicalidade peculiar. Sua obra transcende o regionalismo, tocando temas universais como o amor, o medo, a fé, o bem e o mal. A Semana Rosiana busca, assim, não apenas lembrar sua trajetória, mas manter viva a força transformadora de sua palavra, promovendo o acesso à sua vasta obra e incentivando novas gerações de leitores e escritores.
Cordisburgo: cenário e inspiração
Mais do que um evento literário, a Semana Rosiana é uma experiência imersiva. A cidade, com sua arquitetura simples e paisagens que remetem ao sertão descrito por Rosa, convida o público a percorrer os caminhos que inspiraram o escritor. O Museu Casa Guimarães Rosa, instalado na antiga residência da família do autor, é o ponto de partida para essa jornada, oferecendo um mergulho na vida e na obra do médico, diplomata e contador de histórias.
Patrimônio imaterial
A Semana Rosiana se consolidou como patrimônio imaterial da cidade e da literatura brasileira. É um exemplo inspirador de como a memória de um autor pode continuar viva no imaginário coletivo, influenciando práticas culturais, educativas e artísticas. Cordisburgo, com sua hospitalidade e devoção à obra de seu filho ilustre, mostra que a literatura pode — e deve — ocupar o espaço público, promovendo identidade, orgulho e transformação.