Rodrigo Lopes

Abin Tabajara: espiões erram e vigiam o Alexandre Moraes errado

Relatório da PF expõe ação amadora sob Bolsonaro: agente some no exterior e homem vira alvo por ter nome igual ao ministro do STF

Sede Agência
Foto: Foto: Agência EBC
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O relatório final da Polícia Federal (PF), tornado público por decisão do ministro Alexandre de Moraes, expõe o que talvez seja um dos capítulos mais constrangedores da recente história dos serviços de inteligência no Brasil.

A chamada "Abin Paralela", um núcleo clandestino montado dentro da Agência Brasileira de Inteligência, não só perseguiu opositores políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro como também tropeçou na própria desorganização: chegou a monitorar um homônimo do próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), confundindo alvos e expondo amadorismo.

Em maio de 2019, o agente de inteligência Thiago Gomes Quinalia realizou ao menos três buscas no sistema First Mile com dados de um xará de Moraes.

A trapalhada consta no relatório da Polícia Federal (PF):

“O Agente de Inteligência Thiago Gomes Quinalia realizou diversas pesquisas no sistema First Mile, dentre elas o homônimo do Exmo. Ministro Relator”.

A tentativa de espionagem virou motivo de perplexidade entre investigadores.


Designado como auxiliar de adido da Abin na França, Quinalia deveria ter retornado ao Brasil em abril 2024, mas sumiu do radar: abandonou o cargo e, segundo o inquérito, não há registros de seu paradeiro.

De dentro do Planalto: a arquitetura da espionagem ilegal

A estrutura da "Abin Paralela" funcionou entre 2019 e 2021 sob o comando de Alexandre Ramagem , então diretor do órgão e hoje deputado federal.

Segundo a PF, o verdadeiro cérebro por trás da operação era Carlos Bolsonaro (PL) , vereador no Rio e filho do ex-presidente.

Para os investigadores, Carlos não apenas idealizou a criação de uma estrutura paralela de inteligência por “desconfiança nas instituições oficiais”, como também comandava diretamente sua atuação.

Ele é descrito como "destinatário final dos produtos das ações clandestinas e principal beneficiário das ações delituosas".

Jair Bolsonaro também é citado como integrante do “núcleo político” da organização, ou seja, um dos principais destinatários das informações obtidas de forma ilegal.

Em mensagens interceptadas, uma assessora de Carlos chega a pedir que Alexandre Ramagem interfira em inquéritos que envolviam o então presidente e seus três filhos.

O sistema espião e a cauda longa da ilegalidade

Para operar, a organização contou com um sistema espião comprado pela Abin, capaz de monitorar a localização de pessoas em todo o território nacional sem qualquer autorização judicial.

Agentes públicos vinculados à Presidência usaram a ferramenta para fins políticos, mesmo atuando fora da estrutura oficial.

Segundo a PF, esses agentes continuavam subordinados a Carlos Bolsonaro, agindo “de forma alinhada aos interesses do vereador”, inclusive durante o governo Lula.

“Do exposto, as evidências constantes nos autos indicam a integração dolosa e consciente de Carlos Bolsonaro, atuando na guerra informacional, na articulação de estruturas paralelas de inteligência e produção de campanhas de desinformação”, aponta o relatório.

Indiciamentos atingem governo atual, e Abin silencia

Ao todo, 36 pessoas foram indiciadas. Além de Carlos e Ramagem, a lista inclui nomes do atual alto escalão da Abin, como o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa, o chefe de gabinete Luiz Carlos Nóbrega e o corregedor-geral José Fernando Chuy — todos delegados da PF, nomeados na atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

A inclusão de figuras do governo reforça a complexidade do caso e sua potencial capacidade de atingir transversalmente diferentes administrações.