Rodrigo Lopes

Putin: vilão na Ucrânia, pacificador na guerra entre Israel x Irã

Após dois anos de guerra na Ucrânia, presidente russo tenta se reposicionar como mediador no Oriente Médio. Contradição ou estratégia

Prédio destruído no Irã por míssil
Foto: Agência de notícia Islâmica
Prédio destruído no Irã por míssil


Nos últimos dias, o presidente russo Vladimir Putin se apresentou como possível mediador do conflito entre Irã e Israel, acirrado por uma série de ataques e retaliações entre os dois países. A movimentação causou espanto na comunidade internacional, especialmente pelo fato de Putin ser, ele próprio, o protagonista de uma guerra que já dura mais de dois anos — iniciada com a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Contradições e interesses geopolíticos

É difícil ignorar a ironia no novo papel diplomático que a Rússia tenta assumir. O mesmo líder que ordenou a invasão de um país soberano e é acusado de crimes de guerra, agora oferece sua influência para "promover a paz" em uma das regiões mais instáveis do planeta.

Essa ação, no entanto, está longe de ser movida por altruísmo. O Kremlin tenta recuperar prestígio internacional e, ao mesmo tempo, expandir sua influência sobre países do Oriente Médio que, historicamente, mantêm relações ambíguas com o Ocidente. Além disso, ao assumir esse protagonismo, Moscou tenta sinalizar que os Estados Unidos perderam força no tabuleiro global — e que a Rússia ainda tem cartas para jogar com aliados como Irã e Síria.


Guerra na Ucrânia e desgaste diplomático

Desde o início da guerra contra a Ucrânia, Vladimir Putin tem enfrentado forte pressão internacional. Os bombardeios a áreas civis, o uso de armamento proibido e a ocupação da usina nuclear de Zaporizhzhia — a maior da Europa — foram amplamente condenados. Transformada em arma geopolítica, a usina tornou-se símbolo do desprezo russo pelas convenções internacionais. 

O reposicionamento estratégico no Oriente Médio

Agora, em uma manobra tática, Putin tenta se projetar como mediador entre Irã e Israel. Em 15 de junho de 2025 — após dias de ataques aéreos e troca de mísseis — Moscou reiterou oficialmente sua disposição para intermediar o conflito. Uma das propostas colocadas na mesa seria armazenar o urânio iraniano em território russo, com posterior conversão para uso civil.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que “a situação está se complicando seriamente”, sugerindo urgência na formação de uma frente diplomática alternativa à hegemonia ocidental.

A rede de influência russa: Irã, EUA e Israel

Além dos discursos públicos, Putin mantém diálogo com os Estados Unidos. Fontes diplomáticas confirmaram uma ligação de 50 minutos com o ex-presidente Donald Trump, em que a Rússia foi sugerida como mediadora viável. A entrevista de Trump à ABC News, na qual ele cita explicitamente Moscou como potencial intermediadora, reforça sinais de uma articulação que transcende alianças tradicionais.

Contudo, a confiabilidade da Rússia nesse papel é questionada. Em janeiro de 2025, Moscou e Teerã firmaram um tratado de “parceria estratégica” com validade de 20 anos, ampliando seus laços comerciais, energéticos e militares. A União Europeia reagiu com ceticismo, destacando a falta de imparcialidade da Rússia em um cenário em que ela própria é parte interessada.

A retórica de Putin: pacificação ou propaganda

Em fóruns da ONU e reuniões bilaterais com líderes do Oriente Médio, Putin tem adotado uma retórica pacificadora. Defende cessar-fogo imediato, proteção de civis e o fim dos bloqueios humanitários em Gaza. Declarou ainda que um acordo entre Israel e Irã seria “difícil, porém possível”.

No entanto, a coerência desse discurso é constantemente desafiada. Putin chegou a comparar o cerco humanitário a Gaza ao que os nazistas impuseram a Leningrado — mas jamais traçou paralelo semelhante com a destruição promovida pelas forças russas em Mariupol ou com o cerco a outras cidades ucranianas. Tampouco demonstrou interesse concreto em desmilitarizar Zaporizhzhia, ocupada por tropas russas desde 2022.

Impacto na diplomacia global

A proposta de mediação russa reacende tensões geopolíticas. Os EUA — ao menos por parte de Trump — demonstram abertura ao protagonismo russo, enquanto Israel e forças aliadas intensificam presença militar na região. A União Europeia, por outro lado, contesta duramente a isenção de Moscou, diante do seu estreito vínculo com o Irã.

O dilema: mediação eficaz ou manobra diplomática

Para o Ocidente, a tentativa russa pode ser vista como distração das crises no Leste Europeu e tentativa de ampliar sua influência estratégica no Oriente Médio. Para o Kremlin, é uma oportunidade de se reposicionar como potência global — não apenas militar, mas também diplomática.