
A visita institucional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao centro de distribuição do Mercado Livre , em Cajamar (SP), acendeu a fúria de parte dos seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) .
O gesto simbólico de aproximação entre o governo federal e a gigante do e-commerce, que anunciou um investimento de R$ 34 bilhões no Brasil em 2025, virou combustível para uma nova onda de boicotes nas redes sociais.
A cifra anunciada pela empresa representa um salto de 48% em relação ao montante investido no país no ano passado, quando o Mercado Livre aplicou R$ 23 bilhões.
O investimento está voltado principalmente para a ampliação da infraestrutura logística, modernização de centros de distribuição e aumento da capacidade de entrega da companhia, que opera em mais de mil cidades brasileiras e atende milhões de clientes.
Segundo a empresa, o plano de expansão deve gerar milhares de empregos diretos e indiretos, impulsionar a economia digital e reforçar a confiança no ambiente de negócios brasileiro.
A visita de Lula à unidade de Cajamar foi acompanhada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Márcio França (Empreendedorismo) e Luiz Marinho (Trabalho) , em um gesto interpretado como sinal de apoio a iniciativas privadas que fomentem o desenvolvimento econômico.
Boicote Mercado Livre nos trends
Apesar do foco econômico do encontro, a presença de Lula no centro logístico, onde vestiU o uniforme da empresa, foi o estopim para uma reação coordenada de grupos bolsonaristas nas redes.
No X (antigo Twitter), o termo “boicote Mercado Livre” subiu rapidamente para os assuntos mais comentados, impulsionado por postagens que acusam a companhia de “aliança com a esquerda” e de “defender aumento de impostos”.
“Boicote já! Mercado Livre é ‘lulonazista’ e quer aumento do imposto”, dizia uma das publicações mais compartilhadas, misturando termos pejorativos e desinformação tributária.
A campanha se espalhou também por grupos no Telegram e no WhatsApp, repetindo um padrão já adotado em boicotes anteriores contra empresas que demonstraram apoio ou proximidade com pautas progressistas.
Em outras redes, como o Threads, bolsonaristas publicaram ações práticas de boicote: cancelamento de assinaturas do Meli+, desativação de contas, exclusão de chaves Pix vinculadas à fintech do grupo e até recomendação para não comprar de vendedores que utilizem a plataforma.
O tom das publicações varia entre revolta e sentimento de “traição” por parte de uma empresa que, até então, era amplamente utilizada por esse público.
A politização do consumo
O caso do Mercado Livre é mais um exemplo da crescente politização do consumo no Brasil.
Empresas que demonstram apoio explícito ou mesmo apenas institucional ao governo federal ou a pautas progressistas frequentemente se tornam alvo de boicotes articulados por influenciadores e perfis ligados à extrema direita.
Reação assim, embora barulhenta nas redes sociais, nem sempre representa impacto econômico real para as companhias — mas pode afetar sua imagem e gerar desgaste em nichos específicos de público.
O boicote ao Mercado Livre ocorre, curiosamente, em meio a um anúncio de crescimento robusto e confiança no mercado brasileiro. Trata-se, portanto, de uma contradição: enquanto a empresa sinaliza que o país é estratégico para seus negócios, parte dos consumidores reagem tentando enfraquecê-la por motivos ideológicos.
Empresa mantém foco no crescimento
Até o momento, o Mercado Livre não emitiu nota oficial sobre o movimento de boicote.
A companhia tem adotado uma postura institucional, reforçando sua presença no Brasil e evitando entrar em disputas políticas. Em entrevistas anteriores, executivos da empresa destacaram o compromisso com a inovação, a geração de empregos e o fortalecimento do ecossistema de empreendedores — inclusive de pequenos e médios negócios que utilizam a plataforma para vender seus produtos.
O Brasil é, atualmente, o principal mercado do Mercado Livre em volume de vendas e operação logística. O investimento previsto para 2025 deve expandir centros de distribuição, reforçar a malha de entregas e ampliar os serviços financeiros oferecidos pela fintech Mercado Pago.
Polarização e disputas narrativas
O episódio ilustra mais uma vez como decisões corporativas — mesmo de cunho técnico ou logístico — podem ser interpretadas sob uma ótica político-ideológica em tempos de polarização extrema.
A aproximação entre empresas privadas e o Estado, prática comum em democracias e essencial para o desenvolvimento econômico, passa a ser demonizada por setores que enxergam qualquer gesto como posicionamento partidário.
A politização de tudo — da vacina ao aplicativo de entrega, do supermercado à plataforma de e-commerce — evidencia a profundidade da divisão social no Brasil.
Enquanto isso, empresas que operam em escala nacional precisam encontrar o equilíbrio entre se posicionar institucionalmente, proteger sua imagem e continuar crescendo em meio a um ambiente de radicalização.