Avião da Gol
Foto: Aviação Brasil
Avião da Gol


Uma condenação da Gol Linhas Aéreas, que atua no Aeroporto Internacional de Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, lança luz sobre uma prática silenciosa, mas amplamente difundida no mercado de trabalho: o custo invisível que recai sobre os trabalhadores — sobretudo mulheres — para se adequarem a padrões estéticos impostos pelas empresas.

A decisão foi proferida  pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais, em ação movida por Karine Cristina Rosa, ex-assistente administrativa e técnica de planejamento da companhia.

Mesmo não atuando diretamente no atendimento ao público, Karine se viu compelida a arcar mensalmente com gastos relacionados à sua apresentação pessoal — maquiagem, unhas, cabelos, vestimentas e acessórios —, para se ajustar a um padrão corporativo criado pela empresa, mas financiado por ela mesma.

O ônus silencioso do padrão estético

Esse tipo de exigência, frequentemente naturalizada no ambiente corporativo, converte obrigações que deveriam ser do empregador em encargos pessoais dos empregados.

Karine estimou que os gastos mensais giravam em torno de R$ 350,00 — valor que, embora não tenha sido integralmente reconhecido pela Justiça, evidencia o peso financeiro dessas imposições no orçamento de muitos trabalhadores.

A defesa da empresa, como costuma ocorrer nesses casos, tentou suavizar a questão: não negou a existência de um padrão estético, mas alegou que se tratava apenas de “medidas básicas de higiene”.

O discurso é conhecido: a tentativa de transformar exigências específicas em obrigações naturais, especialmente quando recaem sobre as mulheres.

A vitória simbólica: quem exige, paga

A decisão judicial foi clara e coerente: quem exige, arca com o custo. Embora a indenização tenha sido fixada em apenas R$ 100,00 por mês — valor muito inferior aos gastos efetivamente relatados —, o simbolismo da sentença é potente. Ela reafirma um princípio fundamental das relações de trabalho: o risco da atividade econômica é do empregador, não do trabalhador.

Mais do que uma vitória pessoal, a decisão representa um avanço na proteção dos direitos trabalhistas, funcionando como alerta pedagógico para o mercado: padrões estéticos impostos devem ser acompanhados do devido ressarcimento.

O recorte de gênero: mulheres seguem pagando o preço

O caso evidencia ainda uma dimensão crucial e muitas vezes invisibilizada: o recorte de gênero.

São, em sua esmagadora maioria, as mulheres que enfrentam padrões estéticos mais rígidos, caros e excludentes no ambiente profissional.

Para muitas, maquiagem não é uma escolha, mas uma obrigação implícita. Roupas seguem um uniforme silencioso e acessórios passam a compor a imagem corporativa que a empresa quer transmitir — tudo isso, historicamente, sem que as corporações sequer cogitem ressarcir quem se submete a essas normas.

A quem serve o padrão estético corporativo

A condenação da Gol traz à tona uma pergunta incômoda, mas necessária, sobre o motivo de seguirmos aceitando que as empresas definam como seus funcionários devem se parecer, mas se recusem a assumir os custos dessa exigência.

Enquanto essa discussão não for encarada com a seriedade que merece, decisões — embora justas — continuarão sendo exceções que confirmam a regra de um mercado de trabalho que explora, exige, lucra, mas se esquiva de responsabilidades básicas.

Uma tendência que se consolida na Justiça

Importante destacar que o caso da Gol não é isolado. Nos últimos anos, a Justiça do Trabalho tem proferido decisões que reforçam o entendimento de que, quando há exigência estética, os custos devem ser suportados pelo empregador.

Em 2022, por exemplo, uma rede de lojas de cosméticos foi condenada, em São Paulo, a indenizar uma vendedora por exigir maquiagem diária sem fornecer os produtos necessários.

Na sentença, o juiz foi categórico: “não é razoável exigir da trabalhadora a manutenção de aparência específica, sem custear as despesas necessárias”.

Outro exemplo emblemático ocorreu em 2021, quando uma aeromoça foi indenizada após comprovar que era obrigada a manter unhas pintadas, cabelos arrumados e maquiagem impecável, configurações que, segundo o juiz, “ultrapassam as exigências mínimas e configuram ingerência indevida na esfera pessoal da empregada”.

Reflexão final

O caso da Gol evidencia uma prática arraigada nas relações de trabalho e que precisa ser debatida com franqueza: a imposição de padrões estéticos que, além de reforçarem desigualdades de gênero, transferem indevidamente ao trabalhador um custo que deveria ser assumido pela empresa.

Mais do que uma sentença, a decisão representa um chamado à reflexão: o mercado de trabalho precisa urgentemente rever até que ponto está disposto a explorar a imagem de seus funcionários — e quem, afinal, deve pagar essa conta.


    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!